quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Escola dos Annales
NOTAS SOBRE O MOVIMENTO DOS ANNALES E A FORMULAÇÃO DE UM PROJETO DE HISTÓRIA DA CULTURAÉ possível definir a história cultural como sendo uma tendência historiográfica contemporânea que propõe uma nova forma de interrogar a realidade. Para isso lança mão de novos princípios de inteligibilidade, salientando o papel das representações na criação, manutenção e recriação do mundo social. No entanto, é impossível continuar falando desta tendência historiográfica sem fazer menção ao modo como ela se constituiu.[2]
A história cultural tem sua origem associada à escola do Annales que surge em 1929, com Marc Bloch e Lucien Febvre, como um movimento que se contrapunha ao paradigma da historiografia tradicional. Na fase inicial da escola dos Annales os interesses de estudo estavam voltados para a construção de uma história social e econômica em oposição a uma tradição historiográfica centrada nos grandes feitos dos grandes hom ens. A denominação escola dos Annales surge em função da publicação do Annales d´histoire économique et sociale, um periódico que traduzia o movimento de reorientação que queria se imprimir aos estudos historiográficos. A partir de 1940, a escola dos Annales, em sua segunda geração (Fernand Braudel, Robert Mandrou), caracterizou-se por uma produção historiográfica predominantemente demográfica. Em 1946 a revista Annales muda de nome com a intenção de tornar-se um periódico de ciências sociais - Annales. Economias, Sociedades, Civilizações. No final da década de 60 e início dos anos 70 há um declínio dos temas socioeconômicos, desinteresse por temas demográficos e aparecimento de temas outrora raríssimos ou desconhecidos (criança, família, morte, sexualidade, criminalidade, delinqüência...). É o período que se convencionou a denominar como a 3ª geração da escola dos Annales e que é marcado por um crescente interesse dos historiadores por temas pertencentes ao domínio da cultura e o questionamento do primado até então conferido, ao estudo das conjunturas econômicas ou demográficas. Embora o interesse pela produção da história da cultura tenha favorecido um papel central da dimensão cultural na constituição do mundo social, ela não foi capaz de romper com o modo de perceber as práticas e os objetos culturais como reflexo de divisões sócio-econômicas. Isto porque as primeiras iniciativas de se produzir a história da cultura mantinham uma forte ligação com alguns dos pressupostos metodológicos desenvolvidos no campo da história sócio-econômica. Esta fase inicial da história cultural é reconhecida como história das mentalidades. É no interior desta terceira geração que Chartier desenvolve as suas reflexões e críticas acerca da história das mentalidades e, a partir delas, propõe algumas mudanças no modo de abordar a cultura. Uma de suas primeiras recusas se dá em relação ao “primado quase tirânico do social” (Chartier,1990:45), que alimentou a produção de uma história social da cultura, preocupada em caracterizar culturalmente os grupos sociais (erudito x popular) ou caracterizar socialmente os produtos culturais (elite x povo). Com isso, Chartier recusa o pressuposto de que os contrastes e as diferenças culturais estejam forçosamente organizados em função de um recorte social previamente constituído. Com efeito, as modalidades de apropriação dos materiais culturais, são sem dúvida, tão ou mais distintos do que a inegável distribuição social desses próprios materiais. A constituição de um escala de diferenciações sócio-culturais exige, portanto, que paralelamente às sinalizações das freqüências de tais e tais objetos, em tais e tais meios, sejam encontradas, em seus desvios, as práticas de sua utilização e consumo. (Chartier, 1996:78) Ao reconhecer a fragilidade do esquema de interpretação utilizado pela história social da cultura para abordar os objetos e práticas culturais, Chartier sinaliza para a necessidade de se pensar em outros termos a relação entre recortes sociais e as práticas culturais. Para responder a essa necessidade propõe o deslocamento de uma história social da cultura para uma história cultural da sociedade Uma sociologia retrospectiva, que durante muito tempo fez da distribuição desigual dos objetos o critério primeiro da hierarquia cultural, deve ser substituída por uma outra abordagem, que centre a sua atenção nos empregos diferenciados, nos usos contrastantes dos mesmos bens, dos mesmos textos, das mesmas idéias. (Chartier, 1990:136) Nos limites deste texto cabe apontar de maneira abreviada algumas das idéias que considero relevantes na composição da abordagem proposta por Chartier. [3] Dentro de sua proposição, alguns pares de oposição (Criação x Consumo, Produção x Recepção), são problematizados de maneira a dar visibilidade às imbricações, às circularidades, aos intercâmbios e aos influxos recíprocos entre estes campos tradicionalmente apresentados como dicotômicos. É possível afirmar que esse modo de perceber os contrastes culturais elimina a noção de superioridade de uma determinada modalidade cultural sobre a outra. Isto porque o tensionamento das diferentes formas culturais revela que elas são constituídas de maneira imbricada, através de um jogo sutil de apropriações, de reempregos, de desvios a partir dos quais se agrupam, elementos de origens bastante diversas. Saber se pode chamar-se popular ao que é criado pelo povo ou àquilo que lhe é destinado é, pois, um falso problema. Importa antes de mais identificar a maneira como, nas práticas, nas representações ou nas produções, se cruzam e se imbricam diferentes formas culturais. (Chartier, 1990:56) Duas noções são centrais na proposição que Chartier faz para a produção de uma história cultural. A primeira delas é a noção de apropriação, tomada de empréstimo de M. de Certeau (1994), para definir o consumo cultural como uma operação de produção que embora não fabrique nenhum objeto, assinala a sua presença a partir da maneiras de utilizar os produtos que lhes são impostos. As práticas de apropriação (táticas) são o contraponto às operações (estratégias) que visam disciplinar e regular o consumo cultural. A segunda noção trabalhada por Chartier é a de representação. É uma noção que ele lança mão para designar o modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler por diferentes grupos sociais. (Chartier, 1990:16) A construção das identidades sociais seria o resultado de uma relação de força entre as representações impostas por aqueles que têm poder de classificar e de nomear e a definição, submetida ou resistente, que cada comunidade produz de si mesma. (Chartier, 2002:73) Em linhas gerais são esses os contornos mais gerais da história cultural que passam a orientar os estudos relativos à história da leitura. CONHECER A LEITURA A PARTIR DA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA CULTURAL O investimento na produção de uma história da cultura fez com que certos temas passassem a ser privilegiados por historiadores ligados à história cultural. Segundo Nunes e Carvalho,
o campo tradicionalmente relegado à história da educação vem sendo progressivamente ocupado e redefinido pelas investigações da nova história cultural. A ênfase no estudo dos processos de circulação e apropriação culturais vem fazendo com que esta privilegie, como constitutivo de seu próprio campo de investigação, estudos relacionados a questões educacionais, que vinham sendo de certa forma sendo relegados pela produção historiográfica anterior a uma situação de desprestígio intelectual e institucional. (1993:46)
Esta ocupação redesenha o território da história da educação na medida em que propõe novos temas e objetos de estudo e, ao mesmo tempo, apresenta novas perspectivas de análise para temas que já vinham sendo investigados. O crescente número de estudos sobre cultura escolar, história das instituições escolares, história das disciplinas expressam esse movimento de reconfiguração do território da história da educação. Além das práticas escolares, o horizonte de interesse da história cultural se estendem ao tema da leitura enquanto prática cultural. Dentre os autores da história cultural que tematizam a leitura podemos destacar os trabalhos de Chartier (1990, 1991, 1992, 1994, 1995, 1996), Darnton (1992, 1996) e Ginzburg (1995). Para os propósitos modestos deste texto, iremos privilegiar apenas as trilhas de investigação da leitura sugeridas por Chartier e Darnton. MERGULHANDO NA ROTA DE INVESTIGAÇÃO PROPOSTA POR ROGER CHARTIER
Chartier é um historiador que tem se destacado por sua produção teórica e metodológica a partir das quais vem problematizando os impasses e possibilidades de produção de uma história da cultura. Embora seja um historiador da cultura escrita, tem dedicado especial atenção ao estudo das práticas da leitura do passado (trabalhos sobre a leitura na França do Antigo Regime, por exemplo) e do presente (as reflexões que tem realizado sobre a relação entre leitura e o mundo digital). Suas buscas concentram-se no esforço de reconstituir, nas suas distâncias e proximidades, as diferentes maneiras de praticar a leitura, cujos modelos e modos variam de acordo com os tempos, os lugares e as comunidades. Percebe-se que este esforço parte de uma percepção da leitura como uma prática plural, o que lhe obriga de antemão a opor-se às classificações rígidas e simplistas que restringem a realidade da leitura a duas categorias: leitores e não-leitores ou alfabetizados e analfabetos. Nos seus estudos é possível identificar a pluralidade de práticas leitoras, uma prática cambiante e permeada de nuanças. No entanto, ele alerta que nem sempre esta dimensão plural da leitura é reconhecida.
Os grandes leitores (...), não há dúvida, têm dificuldade em aceitar que existem outras leituras além da sua, ou ainda em conceber que entre sua leitura de douto e as da maioria existem outras diferenças afora estas: ler muito ou pouco, rápido ou lentamente. (Chartier, 1996:19)
Orientado pela disposição de enfocar a leitura na sua diversidade e nas suas variações, Chartier (1991) localiza três modalidades de contraste que regulam as maneiras variantes de utilização, compreensão e apropriação dos textos e ajudam a compreender as leituras e os leitores em suas diferenças: contrastes entre as competências de leitura; contrastes entre normas de leitura - definem para cada comunidade de leitores, usos do livro, modos de ler, procedimentos de interpretação; e contrastes entre as expectativas e os interesses que os diferentes grupos de leitores investem nesta prática (ler para se informar, para se inspirar, por prazer/fruição).A partir dessas modalidades de contraste, Chartier cria as condições para inventariar algumas diferenças - antes apagadas pelas generalizações – existentes nos modos como os leitores realizam a operação de ler os textos. Mas a trilha de investigação proposta por Chartier pressupõe que a leitura seja abordada não apenas a partir das práticas de recepção dos textos, mas também, dos dispositivos que tentam normalizá-la, modelá-la, controlá-la. Tal projeto impõe a necessidade de reunir duas perspectivas, freqüentemente separadas: o estudo da maneira como os textos, e os impressos que lhes servem de suporte, organizam a leitura que deles deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leituras efetivas, captadas nas confissões individuais ou reconstruídas à escala das comunidades de leitores. (1990:123) A disputa entre estas duas perspectivas a partir das quais a leitura é compreendida resulta em uma polêmica que tem atravessado toda a história da leitura. De um lado, a perspectiva estruturalista que pensam os textos em si mesmos, desprendidos de toda a materialidade. De outro, a teoria da recepção que postula uma relação direta e imediata entre texto e leitor, percebendo a leitura como uma coleção indefinida de experiências irredutíveis umas às outras. De um lado, o “mundo do texto”; de outro, “o mundo do leitor”. A aproximação destas perspectivas tão distintas visa transformar esta tensão em uma condição potencializadora da história da leitura. É preciso ressaltar que esta aproximação não elimina o tensionamento existente entre essas duas perspectivas uma vez que ele é constitutivo do campo da leitura. A proposta de Chartier para abordar a leitura a partir de um tensionamento operatório entre o mundo do texto e o mundo do leitor poderia assim ser representado.
De um lado teríamos o pólo da produção que representaria o mundo dos textos e dos suportes que lhes dão sustentação. Neste pólo estariam localizadas as operações de escritura de textos (escritores) e de fabricação dos suportes que o colocarão em circulação (editores, impressores). Estas operações, orientadas por certas representações de leitura e do público leitor, criam uma série de dispositivos escriturários e editoriais, os quais Chartier nomeia como protocolos de leitura, que buscam refrear a liberdade do leitor tendo em vista a realização daquilo que ele imaginam ser a compreensão correta, a leitura autorizada. Talvez aqui pudéssemos localizar Foucault como sendo um dos interlocutores de Chartier para pensar esse pólo que se configura como um espaço produtor de controle, disciplinamento, estratégias de controle. O outro pólo, o da recepção, é o terreno onde reside o leitor e as operações de apropriação dos textos que lhes são propostos. Estas operações de apropriação são marcadas pelo uso de táticas que Certeau, outro interlocutor importante de Chartier na construção dessa abordagem da leitura, vai definir como uma série de atentados ao poder, no espaço de suas previsões, capazes de inventar o cotidiano e se contrapor às estratégias de ordenamento. No campo da leitura essas táticas se expressariam como uma
“... produção silenciosa: flutuação através da página, metamorfose do texto pelo olho que viaja, improvisação e expectação de significados induzidos de certas palavras, intersecções de espaços escritos, dança efêmera (...) incapaz de fazer estoque (salvo se escreve ou ´registra´), o leitor não se garante contra o gasto do tempo ( ele se esquece lendo e esquece o que já leu) (...) ele insinua astúcias do prazer e de uma reapropriação do texto do outro. (Certeau, 1996:49)
Talvez seja importante mais uma vez lembrar que esses pólos (o da produção e o da recepção) estão sendo percebidos por Chartier como estando em uma relação um com o outro. Não se trata de uma relação meramente de oposição é uma relação de tensão, de co-ocorrência e concorrência. Ao instalar a leitura nesse espaço de tensão, os processos de produção de sentido que conferem aos textos significados plurais, só podem ser compreendidos no cruzamento dos pólos de produção e recepção, portanto, nas diferentes relações que se estabelecem entre o texto, o suporte que lhe dá sustentação e a maneira como é lido. Portanto, os sentidos e as possibilidades de sua produção deixam de estar fixados em um único pólo. Eles seriam construções resultantes, ao mesmo tempo, do trabalho empreendido pelos escritores (nas suas estratégias escriturárias), pelos editores (no processo de fabricação do livro) e pelos leitores (nos modos como eles interagem com os textos que lhes chegam às mãos). Neste tensionamento, as estratégias que visam ordenar e disciplinar as maneiras de ler seriam sempre estratégias passiveis de perturbações, transgressões, subversões. Do mesmo modo, a liberdade dos leitores, suas táticas, sua liberdade seriam sempre operações vigiadas, controladas pelas estratégias de disciplinamento. Isso supõe investigar a leitura na tensão entre disciplina e invenção ou, dito de outra maneira, entre estratégias de ordenamento e táticas de apropriação dos textos dados a ler. Nessa perspectiva mais ampliada de perceber a leitura como uma prática plural e tensionada, Chartier vai eleger três eixos a partir dos quais um projeto de investigação da história da leitura pode se apoiar. São eles: o estudo crítico dos textos (literários ou não, canônicos ou esquecidos); a história dos livros e de todos os objetos que contêm a comunicação do escrito e servem de suporte para o texto; ea análise das práticas de leitura que, diversamente, se apropriam dos bens simbólicos, produzindo assim usos e significações diferenciados. Esses eixos supõem uma relação triangular com os textos e que podem ser representada no seguinte esquema
Em linhas gerais, estas são as anotações que buscam apresentar de maneira abreviada alguns dos pontos que considero centrais no modo como Chartier vem abordando a leitura no curso de suas investigações sobre a história da leitura. Primeiros passos para uma história da leitura; sugestões de R. Darnton para a investigação da história da leitura Robert Darnton é outro historiador ligado à história cultural e que tem desenvolvido reflexões e pesquisas sobre a história da leitura. [4] Aqui não será feita uma explanação acerca do seu modo de abordar a leitura que, guardada algumas proximidades, apresenta diferenças em relação ao modo proposto por Chartier. As anotações que serão apresentadas buscam apresentar algumas rotas que Darnton (1990, 1992) identifica como possibilidades para investigar a história da leitura. É possível recuperar a história da leitura? Como recuperar a história da leitura? Essas são as perguntas que orientam o balanço que ele faz sobre os limites e possibilidades de produção de pesquisas na área. Parte do pressuposto que a recuperação da história da leitura será sempre parcial, uma vez que existem limitações de acessar todos os seus vestígios. Reconhece as contribuições da história do livro na reconstituição de história externa da leitura (quem, onde, quando lia?). No entanto, outras perguntas continuam sendo difíceis de serem respondidas (como e por que lia?) Neste balanço que fala, Darnton identifica algumas tendências/rotas de pesquisa até então desenvolvidas. Procurar os leitores e o material de leitura nos arquivos / Buscar o registro dos leitores Tenta responder às questões quem lê e o que lê em diferentes épocas? Dentre os estudos ligados a esta primeira tendência/rota destacam-se as investigações de: Ginzburg (Menocchio), Darnton (Jean Ranson e os leitores de Rousseau), (Jean Hébrard – Jamerey-Duval). Os estudos ligados a esta tendência se subdividem em 2 grupos: * estudos microanalíticos - O moleiro de C. Ginzburg (1987) e o comerciante de La Rochelle, leitor de Rousseau esquadrinhado por R. Darnton (1996) são exemplos de estudos dessa natureza. As possibilidades de definição do perfil de leitores particulares podem ser concretizadas com a utilização de catálogo de bibliotecas (estudo das bibliotecas particulares); correspondências de leitores enviada aos autores, editores, livreiros; anotações de leitores em seus livros; processos religiosos e/ou policiais. * estudos macroanalíticos (ligados a uma história social quantitativa). Os estudos macroanalíticos usam séries de longa duração Como vimos, é uma tendência que Chartier se opõe. Entendiam que a quantificação dos dados culturais servia como a chave para entender cientificamente a circulação e a posição dos livros e a identidade das populações escolares. Esta produção faz uso de uma diversidade de fontes: depoimentos legais, registros de direito do livro, bibliografias (+ usados p/ estudos franceses), catálogos das feiras de livros (+ utilizados nos estudos alemães), documentos de empresas tipográficas e registros alfandegários (ingleses ), registros notariais, inventários, lista de assinantes, registros de empréstimos nos arquivos das bibliotecas (circulantes ou fixas). Apesar das limitações, tanto Darnton quanto Chartier reconhecem que estudos dessa natureza produzem algumas configurações estatísticas importantes. Permitem, por exemplo, observar a conjuntura da produção do livro, identificar diversos meios de leitores a partir do nº de livros que possuíam, observar as categorias bibliográficas dominantes em suas bibliotecas ou em um dado meio social, estabelecer porcentagens dos que em seus inventários tinham livros e os que não tinham. A diversidade disparidade de documentação é apontada por Darnton como um problema comum a estes dois tipos de estudos, uma vez que tem provocado divergências nas conclusões, fazendo com que as pesquisas anulem os resultados umas das outras. Buscar indício sobre os espaços de leitura Tenta responder à questão Onde se lia? Os estudos têm destacado alguns espaços de leitura, dentre eles: os clubes de leitura, os gabinetes literários, as cafeterias. Para localizá-los, os estudos fazem uso de fontes pouco usuais, como: a iconografia e os equipamentos (incluindo aí o mobiliário e as roupas). Buscar indícios sobre os modos e os motivos de leitura É uma tendência onde residem os maiores silêncios da história da leitura. Dizem respeito às perguntas mais difíceis de serem respondidas pela história da leitura. Como liam e por que liam? Relatos autobiográficos conhecidos (Santo Agostinho, Santa Tereza de Ávila, Montaigne, Rousseau e Stendhal). Estudar os relatos autobiográficos + conhecidos e seguir para fontes menos familiares (pode mostrar que as letras tinham um lugar na cultura do homem comum). É possível, também, estudar a disposição tipográfica dos textos tendo em vista que ela pode indicar o modo como o texto era lido pelo leitor. É uma modalidade de análise baseada na Bibliografia Analítica. Estudar os modos de aprendizagem da leitura/ de como a leitura era ensinada São estudos que podem fornecer informações importantes sobre os modelos de ensino da leitura, as técnicas pedagógicas utilizadas, os livros que serviram para o seu ensino. Estudar as representações da leitura - Como a leitura era pensada? Estudar descrições de época sobre a leitura no interior da ficção, das autobiografias, dos textos polêmicos , das cartas, dos quadros e gravuras podem fornecer pistas sobre o que era a leitura no interior de uma determinada comunidade. NOTAS DE FECHAMENTO As notas aqui inscritas nos dão uma visão panorâmica desta tendência historiográfica contemporânea que tem tomado a leitura como tema de pesquisa. A partir delas é possível identificar um modo mais alargado de perceber e estudar o fenômeno da leitura. Uma abordagem que cruza, transporta e desloca informações; que estabelece relações de contraste e tensionamento entre diferentes componentes da leitura; que estabelece diálogos, rompe fronteiras disciplinares em busca de outras possibilidades de inteligibilidade de seu tema; trilhar caminhos inusitados para recolher os vestígios de uma história que se sabe, de antemão, que é lacunar. Apresenta uma maneira de perceber e praticar a pesquisa que se contrapõe àquele que busca encontrar modelos, parâmetros; que pretende identificar relações de causa-efeito; que visa produzir hierarquias. Por ser assim, exige do pesquisador outras habilidades e competências que alimentem uma sensibilidade e uma abertura para o diferente, o plural, o inusitado, o não revelado, o silenciado.... Por ser assim, se apresenta como uma possibilidade de, ao lado de outras tendênias de pesquisa, adensar a nossa compreensão sobre a leitura na historicidade dos seus modos de ser produzida, difundida e recebida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÉS, Philippe. A história das mentalidades. IN: A história nova. LE GOFF, J. 3ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 1995. BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo. Ed. UNESP, 1992. CHARTIER, Anne-Marie e HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura: 1880-1980. São Paulo. Ática, 1995. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Difel, 1990. ______________ A ordem dos livros. Brasília. Ed. UNB, 1994. ______________(org). Práticas da leitura. São Paulo. Estação Liberdade, 1996. ______________ Textos, impressões, leituras. IN: A nova História Cultural. Hunt, Lynn. São Paulo. Martins Fontes, 1995. ______________ A visão do historiador modernista. IN:Usos & abusos da história oral. Ferreira, Marieta (org.). Rio de Janeiro. Fund. Getulio Vargas. 1996. ______________ O mundo como representação. In: Estudos Avançados. 11(5),1991. DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro. Graal, 1986. ______________ Boêmia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo. Companhia das letras, 1987. ______________ O beijo de Lamourette. Trad. de Denise Botmann. São Paulo. Companhia da Letras, 1990. ______________ História da leitura. In: A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo. UNESP, 1992. ______________ Edição e sedição. São Paulo. Companhia das Letras, 1992. ______________ A leitura rousseauista e um leitor “comum” do século XVIII. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo. Companhia das Letras, 1987. HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo. Martins Fontes. 1992. NUNES, Clarice, CARVALHOS, Marta M. C. de. Historiografia da educação e fontes. In: Cadernos Anped. Porto Alegre, n. 05, set. 1993. LE GOFF, Jacques. A história nova. 3ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1995. MAROTTA, Claúdia Otoni de Almeida. O que é História das mentalidades. São Paulo. Brasiliense. 1991.Coleção Primeiros Passos nº 253. -------------------------------------------------------------------------------NOTAS
[1] Disciplina oferecida no 1º semestre de 2003 no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, sob a responsabilidade das Professoras Drª Lilian Lopes Martin da Silva e Drª Norma Sandra de Almeida Ferreira. [2] O movimento de constituição da história cultural é abordado por vários autores, entre eles destacam-se os trabalhos de: ARIÉS (1995), BURKE (1992), CHARTIER (1990), HUNT (1992)e LE GOFF (1995)HUNT (1992) [3] Um quadro mais preciso dos contornos desta abordagem pode ser encontrado nos seus próprios escritos. Ver, por exemplo, A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Difel, 1990. Já existem trabalhos de autores nacionais que se dedicam a tarefa de refletir sobre as idéias desse autor, veja: CARVALHO (1993) e NUNES, CARVALHO (1993). [4] Ver especialmente DARNTON (1986), (1987), (1990), (1992 a) (1992 b) e (1996)
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Colaboração: Professor Renato Silva
CICLO DA BORRACHA
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.



Região da Amazônia, palco do ciclo da borracha. É visível parte do Brasil e da Bolívia, além dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, perto dos quais construiu-se a Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
O Ciclo da borracha constituiu uma parte importante da história econômica e social do Brasil, estando relacionado com a extração e comercialização da borracha. Este ciclo teve o seu centro na região amazônica, proporcionando grande expansão da colonização, atraindo riqueza e causando transformações culturais e sociais, além de dar grande impulso às cidades de Manaus, Porto Velho e Belém, até hoje maiores centros e capitais de seus Estados, Amazonas, Rondônia e Pará, respectivamente. No mesmo período foi criado o Território Federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja área foi adquirida da Bolívia por meio de uma compra por 2 milhões de libras esterlinas em 1903. O ciclo da borracha viveu seu auge entre 1879 a 1912, tendo depois experimentado uma sobrevida entre 1942 e 1945 durante a II Guerra Mundial (1939-1945).
Linhas gerais

Extração de látex de uma seringueira.
A primeira fábrica de produtos de borracha (ligas elásticas e suspensórios) surgiu na França, em Paris, no ano de 1803. Contudo, o material ainda apresentava algumas desvantagens: à temperatura ambiente, a goma mostrava-se pegajosa. Com o aumento da temperatura, a goma ficava ainda mais mole e pegajosa, ao passo que a diminuição da temperatura era acompanhada do endurecimento e rigidez da borracha.
Foram os índios centro-americanos os primeiros a descobrir e fazer uso das propriedades singulares da borracha natural. Entretanto, foi na floresta amazônica que de fato se desenvolveu a atividade da extração da borracha, a partir da seringa ou seringueira (Hevea brasiliensis), uma árvore que pertence à família das Euphorbiaceae, também conhecida como árvore da fortuna.
Do caule da seringueira é extraído um líquido branco, chamado látex, em cuja composição ocorre, em média, 35% de hidrocarbonetos, destacando-se o 2-metil-1,3-butadieno (C5H8), comercialmente conhecido como isopreno, o monômero da borracha.
O látex é uma substância praticamente neutra, com pH 7,0 a 7,2. Mas, quando exposta ao ar por um período de 12 a 24 horas, o pH cai para 5,0 e sofre coagulação espontânea, formando o polímero que é a borracha, representada por (C5H8)n, onde n é da ordem de 10.000 e apresenta massa molecular média de 600 000 a 950 000 g/mol.
A borracha, assim obtida, possui desvantagens. Por exemplo, a exposição ao ar provoca a mistura com outros materiais (detritos diversos), o que a torna perecível e putrefável, bem como pegajosa devido à influência da temperatura. Através de um tratamento industrial, eliminam-se do coágulo as impurezas e submete-se a borracha resultante a um processo denominado vulcanização, resultando a eliminação das propriedades indesejáveis. Torna-se assim imperecível, resistente a solventes e a variações de temperatura, adquirindo excelentes propriedades mecânicas e perdendo o carácter pegajoso.
O primeiro ciclo da borracha - 1879/1912
Durante os primeiros quatro séculos e meio do descobrimento, como não foram encontradas riquezas de ouro ou minerais preciosos na Amazônia, as populações da hiléia brasileira viviam praticamente em isolamento, porque nem a coroa portuguesa e, posteriormente, nem o império brasileiro conseguiram concretizar ações governamentais que incentivassem o progresso na região. Vivendo do extrativismo vegetal, a economia regional se desenvolveu por ciclos (Drogas do Sertão), acompanhando o interesse do mercado nos diversos recursos naturais da região. Para extração da borracha neste período, acontece uma migração de nordestinos, pricipalmente do Ceará, pois o estado sofria as consequências das secas do final do século XIX.


Borracha: lucro certo

Belém ficou conhecida como Paris n'América no Ciclo da Borracha
O desenvolvimento tecnológico e a Revolução Industrial, na Europa, foram o estopim que fizeram da borracha natural, até então um produto exclusivo da Amazônia, um produto muito procurado e valorizado, gerando lucros e dividendos a quem quer que se aventurasse neste comércio.
Desde o início da segunda metade do século XIX, a borracha passou a exercer forte atração sobre empreendedores visionários. A atividade extrativista do látex na Amazônia revelou-se de imediato muito lucrativa. A borracha natural logo conquistou um lugar de destaque nas indústrias da Europa e da América do Norte, alcançando elevado preço. Isto fez com que diversas pessoas viessem ao Brasil na intenção de conhecer a seringueira e os métodos e processos de extração, a fim de tentar também lucrar de alguma forma com esta riqueza.
A partir da extração da borracha surgiram várias cidades e povoados, depois também transformados em cidades. Belém e Manaus, que já existiam, passaram então por importante transformação e urbanização. Manaus foi a primeira cidade brasileira a ser urbanizada e a segunda a possuir energia elétrica - a primeira foi Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
Projetos de uma ferrovia para escoar a produção da borracha

O ciclo da borracha justificou a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
A idéia de construir uma ferrovia nas margens dos rios Madeira e Mamoré surgiu na Bolívia, em 1846. Como o país não tinha como escoar a produção de borracha por seu território, era necessário criar alguma alternativa que possibilitasse exportar a borracha através do Oceano Atlântico.
A idéia inicial optava pela via da navegação fluvial, subindo o rio Mamoré em território boliviano e depois pelo rio Madeira, no Brasil. Mas o percurso fluvial tinha grandes obstáculos: vinte cachoeiras impediam a navegação. E foi aí que cogitou-se a construção de uma estrada de ferro que cobrisse por terra o trecho problemático.
Em 1867, no Brasil, também visando encontrar algum meio que favorecesse o transporte da borracha, os engenheiros José e Francisco Keller organizaram uma grande expedição, explorando a região das cachoeiras do rio Madeira para delimitar o melhor traçado, visando também a instalação de uma ferrovia.
Embora a idéia da navegação fluvial fosse complicada, em 1869, o engenheiro estadunidense George Earl Church obteve do governo da Bolívia a concessão para criar e explorar uma empresa de navegação que ligasse os rios Mamoré e Madeira. Mas, não muito tempo depois, vendo as dificuldades reais desta empreitada, os planos foram definitivamente mudados para a construção de uma ferrovia.
As negociações avançam e, ainda em 1870, o mesmo Church recebe do governo brasileiro a permissão para construir então uma ferrovia ao longo das cachoeiras do Rio Madeira.
A Questão do Acre
Mas o exagero do extrativismo descontrolado da borracha estava em vias de provocar um conflito internacional. Os trabalhadores brasileiros cada vez mais adentravam nas florestas do território da Bolívia em busca de novas seringueiras para extrair o precioso látex, gerando conflitos e lutas por questões fronteiriças no final do século XIX, que exigiram inclusive a presença do exército, liderado pelo militar José Plácido de Castro.
A república brasileira, recém proclamada, tirava o máximo proveito das riquezas obtidas com a venda da borracha, mas a Questão do Acre (como estavam sendo conhecidos os conflitos fronteiriços por conta do extrativismo da borracha) preocupava.
Foi então a providencial e inteligente intervenção do diplomata Barão do Rio Branco e do embaixador Assis Brasil, em parte financiados pelos barões da borracha, que culminou na assinatura do Tratado de Petrópolis, assinado 17 de novembro de 1903 no governo do presidente Rodrigues Alves. Este tratado pôs fim à contenda com a Bolívia, garantindo o efetivo controle e a posse das terras e florestas do Acre por parte do Brasil.
O Brasil recebeu a posse definitiva da região em troca de terras de Mato Grosso, do pagamento de 2 milhões de libras esterlinas e do compromisso de construir uma ferrovia que superasse o trecho encachoeirado do rio Madeira e que possibilitasse o acesso das mercadorias bolivianas (sendo a borracha o principal), aos portos brasileiros do Atlântico (inicialmente Belém do Pará, na foz do rio Amazonas).
Devido a este episódio histórico, resolvido pacificamente, a capital do Acre recebeu o nome de Rio Branco e dois municípios deste Estado receberam nomes de outras duas importantes personagens: Assis Brasil e Plácido de Castro.
Madeira-Mamoré, finalmente pronta. Mas para quê?
A ferrovia Madeira-Mamoré, também conhecida como Ferrovia do Diabo por ter causado a morte de cerca de seis mil trabalhadores (comenta a lenda que foi um trabalhador morto para cada dormente fixado nos trilhos), foi encampada pelo megaempresário estadunidense Percival Farquhar. A construção da ferrovia iniciou-se em 1907 durante o governo de Affonso Penna e foi um dos episódios mais significativos da história da ocupação da Amazônia, revelando a clara tentativa de integrá-la ao mercado mundial através da comercialização da borracha.
Em 30 de abril de 1912 foi inaugurado o último trecho da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Tal ocasião registra a chegada do primeiro comboio à cidade de Guajará-Mirim, fundada nessa mesma data.
Mas o destino da ferrovia que foi construída com o propósito principal de escoar a borracha e outros produtos da região amazônica, tanto da Bolívia quanto do Brasil, para os portos do Atlântico, e que dizimara milhares de vidas, foi o pior possível.
Primeiro, porque o preço do látex caiu vertiginosamente no mercado mundial, inviabilizando o comércio da borracha da Amazônia. Depois, devido ao fato de que o transporte de outros produtos que poderia ser feito pela Madeira-Mamoré foi deslocado para outras duas estradas de ferro (uma delas construída no Chile e outra na Argentina) e para o Canal do Panamá, que entrou em atividade em 15 de Agosto de 1914.
Alie-se a esta conjuntura o fator natureza: a própria floresta amazônica, com seu alto índice de precipitação pluviométrica, se encarregou de destruir trechos inteiros dos trilhos, aterros e pontes, tomando de volta para si grande parte do trajeto que o homem insistira em abrir para construir a Madeira-Mamoré.
A ferrovia foi desativada parcialmente na década de 1930 e totalmente em 1972, ano em que foi inaugurada a Rodovia Transamazônica (BR-230). Atualmente, de um total de 364 quilômetros de extensão, restam apenas 7 quilômetros ativos, que são utilizados para fins turísticos.
A população rondoniense luta para que a tão sonhada revitalização da EFMM saia do papel, mas até à data 1º de dezembro de 2006 a obra ainda nem havia começado. A falta de interesse dos orgãos públicos, em especial das prefeituras, e a burocracia impedem o projeto.



Apogeu, requinte e luxo

Os novos ricos de Manaus tornaram a cidade a capital mundial da venda de diamantes.
Belém, capital do Estado do Pará, assim como Manaus, capital do Estado do Amazonas, eram na época consideradas cidades brasileiras das mais desenvolvidas e umas das mais prósperas do mundo, principalmente Belém, não só pela sua posição estratégica - quase no litoral -, mas também porque sediava um maior número de residências de seringalistas, casas bancárias e outras importantes instituições que Manaus. Ambas possuíam luz elétrica e sistema de água encanada e esgotos. Viveram seu apogeu entre 1890 e 1920, gozando de tecnologias que outras cidades do sul e sudeste do Brasil ainda não possuíam, tais como bondes elétricos, avenidas construídas sobre pântanos aterrados, além de edifícios imponentes e luxuosos, como o requintado Teatro Amazonas, o Palácio do Governo, o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega, no caso de Manaus, e o mercado de peixe, mercado de ferro, Teatro da Paz, corredores de mangueiras, diversos palacetes residenciais no caso de Belém, construídos em boa parte pelo intendente Antônio Lemos.

Teatro Amazonas em Manaus, um dos luxuosos edifícios construídos com as fortunas da borracha.
O Cinema Olympia, a mais antiga casa de exibição de filmes de Belém, considerada uma das mais luxuosas e modernas de seu tempo, foi inaugurado em 21 de abril de 1912 no auge do cinema mudo internacional, pelos proprietários Antonio Martins e Carlos Augusto Teixeira, à Praça da República , esquina da Rua Macapá.
A construção desse espaço de cultura completava o quadrado, em cujos vértices situavam-se o Palace, Grande Hotel e o Teatro da Paz, local de Reunião da elite de Belém que, elegantemente trajados à moda parisiense assistiam a inauguração ao som de acordes musicais, num ambiente esplendoroso, de bom gosto e de grande animação. A abertura teve como pano de fundo a Belle Époque, ao final do apogeu econômico propiciado pelo período da borracha e o final da intendência de Antônio Lemos, grande transformador urbanista da cidade.

Teatro da Paz em Belém, um dos símbolos do ciclo da borracha.
A influência européia logo se fez notar em Manaus e Belém, na arquitetura da construções e no modo de viver, fazendo do século XIX a melhor fase econômica vivida por ambas cidades. A Amazônia era responsável, nessa época, por quase 40% de toda a exportação brasileira. Os novos ricos de Manaus tornaram a cidade a capital mundial da venda de diamantes. Graças à borracha, a renda per capita de Manaus era duas vezes superior à da região produtora de café (São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo).
Moeda da borracha: libra esterlina: como forma de pagamento pela exportação da borracha, os seringalistas recebiam em libra esterlina (£), moeda do Reino Unido, que inclusive era a mesma que circulava em Manaus e Belém durante a Belle Époque amazônica.
O fim do monopólio amazônico da borracha
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, terminada em 1912, já chegava tarde. A Amazônia já estava perdendo a primazia do monopólio de produção da borracha porque os seringais plantados pelos ingleses na Malásia, no Ceilão e na África tropical, com sementes oriundas da própria Amazônia, passaram a produzir látex com maior eficiência e produtividade. Conseqüentemente, com custos menores e preço final menor, o que os fez assumir o controle do comércio mundial do produto.
A borracha natural da Amazônia passou a ter um preço proibitivo no mercado mundial, tendo como reflexo imediato a estagnação da economia regional. A crise da borracha tornou-se ainda maior porque a falta de visão empresarial e governamental resultou na ausência de alternativas que possibilitassem o desenvolvimento regional, tendo como conseqüência imediata a estagnação também das cidades. A falta não pode ser atribuída apenas aos empresários tidos como barões da borracha e à classe dominante em geral, mas também ao governo e políticos que não incentivaram a criação de projetos administrativos que gerassem um planejamento e um desenvolvimento sustentado da atividade de extração do látex.


A Malásia, que investiu no plantio de seringueiras e em técnicas de extração do látex, foi a principal responsável pela queda do monopólio brasileiro
Embora restando a ferrovia Madeira-Mamoré e as cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim como herança deste apogeu, a crise econômica provocada pelo término do ciclo da borracha deixou marcas profundas em toda a região amazônica: queda na receita dos Estados, alto índice de desemprego, êxodo rural e urbano, sobrados e mansões completamente abandonados, e, principalmente, completa falta de expectativas em relação ao futuro para os que insistiram em permanecer na região.
Os trabalhadores dos seringais, agora desprovidos da renda da extração, fixaram-se na periferia de Manaus em busca de melhores condições de vida. Aí, por falta de habitação, iniciaram, a partir de 1920, a construção da cidade flutuante, gênero de moradia que se consolidaria na década de 1960.
O governo central do Brasil até criou um órgão com o objetivo de contornar a crise, chamado Superintendência de Defesa da Borracha, mas esta superintendência foi ineficiente e não conseguiu garantir ganhos reais, sendo, por esta razão, desativada não muito tempo depois de sua criação.
A partir do final da década de 1920, Henry Ford, o pioneiro da indústria americana de automóveis, empreendeu o cultivo de seringais na Amazônia criando 1927 a cidade de Fordlândia e posteriormente (1934) Belterra, no Oeste do Pará, especialmente para este fim, com técnicas de cultivo e cuidados especiais, mas a iniciativa não logrou êxito já que a plantação foi atacada por uma praga na folhagem conhecida como mal-de-folhas, causada pelo fungo Microcyclus ulei.
O segundo ciclo da borracha - 1942/1945
A Amazônia viveria outra vez o ciclo da borracha durante a Segunda Guerra Mundial, embora por pouco tempo. Como forças japonesas dominaram militarmente o Pacífico Sul nos primeiros meses de 1942 e invadiram também a Malásia, o controle dos seringais passou a estar nas mãos dos nipônicos, o que culminou na queda de 97% da produção da borracha asiática.
Isto resultaria na implantação de mais alguns elementos, inclusive de infra-estrutura, apenas em Belém, desta vez por parte dos Estados Unidos. A exemplo disso, temos o Banco de Crédito da Borracha, atual Banco da Amazônia; o Grande Hotel, luxuoso hotel construído em Belém em apenas 3 anos, onde hoje é o Hilton Hotel; o aeroporto de Belém; a base aérea de Belém; entre outros.
A Batalha da Borracha
Com o alistamento de nordestinos, Getúlio Vargas minimizou o problema da seca do nordeste e ao mesmo tempo deu novo ânimo na colonização da Amazônia.
Na ânsia de encontrar um caminho que resolvesse esse impasse e, mesmo, para suprir as Forças Aliadas da borracha então necessária para o material bélico, o governo brasileiro fez um acordo com o governo dos Estados Unidos (Acordos de Washington), que desencadeou uma operação em larga escala de extração de látex na Amazônia - operação que ficou conhecida como a Batalha da Borracha.
Como os seringais estavam abandonados e não mais de 35 mil trabalhadores permaneciam na região, o grande desafio de Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, era aumentar a produção anual de látex de 18 mil para 45 mil toneladas, como previa o acordo. Para isso seria necessária a força braçal de 100 mil homens.
O alistamento compulsório em 1943 era feito pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), com sede no nordeste, em Fortaleza, criado pelo então Estado Novo. A escolha do nordeste como sede deveu-se essencialmente como resposta a uma seca devastadora na região e à crise sem precedentes que os camponeses da região enfrentavam.
Além do SEMTA, foram criados pelo governo nesta época, visando a dar suporte à Batalha da borracha, a Superintendência para o Abastecimento do Vale da Amazônia (Sava), o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) e o Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará (Snapp). Criou-se ainda a instituição chamada Banco de Crédito da Borracha, que seria transformada, em 1950, no Banco de Crédito da Amazônia.
O órgão internacional Rubber Development Corporation (RDC), financiado com capital dos industriais estadunidenses, custeava as despesas do deslocamento dos migrantes (conhecidos à época como brabos). O governo dos Estados Unidos pagava ao governo brasileiro cem dólares por cada trabalhador entregue na Amazônia.

O governo dos Estados Unidos pagava ao governo brasileiro cem dólares por cada trabalhador entregue na Amazônia
Milhares de trabalhadores de várias regiões do Brasil foram compulsoriamente levados à escravidão por dívida e à morte por doenças para as quais não possuíam imunidade. Só do nordeste foram para a Amazônia 54 mil trabalhadores, sendo 30 mil deles apenas do Ceará. Esses novos seringueiros receberam a alcunha de Soldados da Borracha, numa alusão clara de que o papel do seringueiro em suprir as fábricas nos EUA com borracha era tão importante quanto o de combater o regime nazista com armas.
Manaus tinha, em 1849, cinco mil habitantes, e, em meio século, cresceu para 70 mil. Novamente a região experimentou a sensação de riqueza e de pujança. O dinheiro voltou a circular em Manaus, em Belém, em cidades e povoados vizinhos e a economia regional fortaleceu-se.
DIREITO E EDUCAÇÃO NA ROMA ANTIGA
O Direito Romano
A obra universal e imperecível, que no Oriente foi a religião, na Grécia a filosofia, em Roma foi o direito, segundo a índole prática do gênio romano. O direito romano não é uma filosofia do direito, mas uma sistematização jurídica; não é uma construção teórica, mas a codificação de uma longa e vasta prática. Tal sistematização jurídica, todavia, implica numa concepção filosófica, numa filosofia do direito, num direito natural, que o pensamento grego pode deduzir da sistematização jurídica romana. O pensamento grego serviu à codificação do direito romano próprio e verdadeiro, se bem que os grandes jurisconsultos romanos teriam chegado sozinhos a esta codificação, do mesmo modo que Roma sozinha construiu o seu império.
Certamente, para chegar à construção de um direito universal, natural, racional, humano, Roma teve que superar a própria nacionalidade. Instaurado o Império, Roma não desnatura o seu gênio político original, mas realiza-o, desenvolve-o, valoriza-o, pois Roma era naturalmente feita para se tornar a capital do mundo, caput mundi. E, paralelamente, o direito romano no corpus juris justiniano é o lógico desenvolvimento do original germe jurídico, que, surgindo na família, expande-se através da cidade e do estado, e culmina no Império. Do direito civil chega até ao direito das gentes, antes, até aquele direito natural, a que chega a filosofia pelos caminhos da razão.
A Educação Romana
O espírito prático romano manifesta-se também na educação, que se inspirou, entre os romanos, nos ideais práticos e sociais. Na história da educação romana podem-se distinguir três fases principais: pré-helenista, helenista-republicana, helenista-imperial. A primeira e fundamental instituição romana de educação é a família de tipo patriarcal, germe de uma sociedade mais vasta, que vai da cidade ao império: os patres governam a coisa pública. Educador é o pai, que na sociedade familiar romana desempenha também as funções de senhor e de sacerdote - paterfamilias. Nesta obra educativa colaborava também a mãe, especialmente nos primeiros anos e no concernente aos primeiros cuidados dos filhos, sendo, em Roma, mais considerada a mulher do que na Grécia, dadas as suas predominantes qualidades práticas. O fim da educação é prático-social: a formação do agricultor, do cidadão, do guerreiro - salus reipublicae suprema lex esto. Essencialmente práticos e sociais são os meios: o exemplo, o treinamento ministrado pelo pai que faz o filho participar na sua atividade agrícola, econômica, militar e civil, a tradição doméstica e política - mos maiorum; e a religião - pietas - entendida como prática litúrgica, sendo a religião, em Roma, diversamente do que era na Grécia, sumamente pobre de arte e de pensamento. E tudo isso sob uma disciplina severa. Enfim, prático-social era o próprio conteúdo teorético da educação, a instrução propriamente dita, que se reduzia a uma aprendizagem mnemônica de prescrições jurídicas, concisas e conceituosas - as leis das doze tábuas - que regulavam os direitos e os deveres recíprocos naquela elementar mas forte sociedade agrícola-político-militar.
A educação romana sofreu necessariamente uma profunda modificação, quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se para a nova forma do estado imperial - entre o terceiro e o segundo século a.C. - veio em contato com a nova civilização helênica, cuja irresistível fascinação também Roma sofreu. Sentiu-se então a exigência de um novo sistema educativo, em que a instrução, especialmente literária, tivesse o seu lugar. Esta instrução literária partiu precisamente da cultura helênica. Primeiro são traduzidas para o latim as obras literárias e poéticas gregas - por exemplo, a Odisséia -, depois estudam-se os autores gregos no texto original, enfim se forma pouco a pouco uma literatura nacional romana sobre o modelo formal da grega. E, deste modo, a princípio é a literatura grega que se difunde em Roma, depois, mediante a literatura, é o pensamento grego que penetra e se difunde, e afinal, através do pensamento, entra e se espalha a concepção grega da vida - porquanto estava pelo menos nas possibilidades do caráter latino.
Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais hospedam em casa um mestre, geralmente grego - pedagogus ou litteratus. E, para atender às exigências culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos, constituindo escolas - ludi - de instituição privada sem ingerência alguma do estado. Essas escolas são de dois graus: elementares - a escola do litterator onde se aprendia a ler, escrever e calcular; médias - a escola do grammaticus - onde se ensinava a língua latina e a grega, se estudavam os autores das duas literaturas, através das quais se aprendia a cultura helênica em geral. Um terceiro grau será, enfim, constituído mediante as escolas de retórica, uma espécie de institutos universitários, que surgem com uma diferenciação e uma especialização superior da escola de gramática.
A sua finalidade era formar o orador, porquanto a carreira política representava, para o espírito prático romano, o ideal supremo. E, portanto, o ensino da eloqüência abrangia toda a cultura, do direito até à filosofia. O orador romano será o tipo do homem de ação, do político culto, em que a cultura é instrumento de ação - negotium e, logo, para os romanos, coisa muito séria, em relação com a seriedade da ação, e não simples distração - otium. Na reação dos conservadores contra a helenização da vida romana, os censores publicavam um decreto que condenava a escola latina de retórica (92 a.C.), por ser "novidade contrária aos costumes e aos preceitos dos maiores", e é definida até como ludus impudentiae. Acabam, todavia, por triunfar os inovadores, e a cultura helênica e os mestres gregos afluem a Roma sempre mais numerosos e bem acolhidos, enquanto a elite dos jovens romanos vai se aperfeiçoar nos centros de cultura helenista, especialmente em Atenas.
Juntamente com a organização do império organizam-se também as escolas romanas. Por certo, vindo a faltar a liberdade, vem a faltar o interesse político da cultura; as escolas de retórica perdem a função prática e social, transformando-se em meios de ornamento intelectual entre os lazeres de uma aristocracia cultural, o que, absolutamente falando, representa uma purificação da cultura no sentido especulativo, dianoético, grego; mas, relativamente ao espírito prático-social romano, significa uma decadência para o diletantismo. Seja como for, o estado romano mostra agora apreciar a cultura. Começam os imperadores romanos por conceder imunidade e retribuições aos mestres de retórica ainda docentes em casas particulares; depois o estado passa a favorecer e promover a instituição de escolas municipais de gramática e de retórica nas províncias; enfim são fundadas cátedras imperiais, especialmente de direito, nos grandes institutos universitários.
Um dos principais motivos de interesse imperial pela cultura e a sua difusão foi o fato de se ver nela um eficaz instrumento de romanização dos povos, um instrumento de penetração e de expansão da língua e dos jus romano, um meio, em suma, para o engrandecimento do império. E o resultado foi fecundo também para a cultura como tal, porquanto foi ela levada, embora modestamente, aqueles povos - Espanha, Gália, Grã-Bretanha, Germânia, províncias danubianas, África setentrional - a que o helenismo não pudera chegar. Tais escolas municipais foram tão vitais nas províncias, que muitas sobreviveram à queda do império romano ocidental, transformando-se em escolas eclesiásticas graças ao monaquismo cristão, e conservaram acesa na noite barbárica a chama da cultura clássica, preparadora dos esplêndidos renascimentos posteriores.
O teórico da pedagogia romana pode ser considerado Quintiliano. Nasceu na Espanha no II século d.C., foi professor de retórica em Roma, o primeiro docente pago pelo estado, quando Vespasiano era imperador. Na Instituição Oratória, em doze livros, expõe o processo de formação do orador - cuja figura ideal já delineara Cícero no De Oratore. Faz Quintiliano uma exposição completa, propondo programas e métodos que foram em grande parte adotados sucessivamente nas escolas do império. A instituição escolástica compreende os dois graus tradicionais de gramática e retórica. No curso de gramática ensinam-se a língua latina e a língua grega, a interpretação dos poetas - Vergílio e Homero - e as noções necessárias para este fim. No curso de retórica ensinam-se a interpretação dos historiadores - Lívio - e dos oradores - Cícero -, o direito e a filosofia, enquanto fornecem o conteúdo essencial à arte oratória. Um lugar de destaque ocupam as normas e as exercitações de eloqüência, o fim supremo da educação romana, segundo o espírito prático-político romana.
Período Religioso
Características Gerais
O quarto e último período do pensamento grego denomina-se religioso, porque o espírito humano procura a solução integral do problema da vida na religião ou nas religiões. O problema da vida é agudamente sentido, pelo fato de ser profundamente sentido o problema do mal. Deste problema não se acha, racionalmente, uma explicação plena, e, por conseguinte, se recorre à concepção de uma queda arcana, original, do espírito, de um conseqüente encarceramento do espírito no corpo, e de uma purificação e libertação ascética e mística. A desconfiança do conhecimento racional impede à evasão para um conhecimento supra-racional, imediato, intuitivo, místico, da realidade absoluta, para a revelação, o êxtase. Assim, o pensamento grego, que partiu de uma religião - positiva -, e a demoliu paulatina e criticamente nos grandes sistemas clássicos, volta, no seu término, para a religião. Já não se trata, porém, da velha religião grega, olímpica, homérica, absolutamente incapaz, devido aos seus limites naturalistas, humanistas, políticos, de resolver os grandes problemas transcendentes - do mal, da dor, da morte, do pecado - que nem sequer se propõe. Trata-se, ao contrário, das religiões orientais, semitas, místicas, misteriosóficas, especialmente propensas a estes problemas e fecundas em soluções do mais vivo interesse.
No período religioso permanecem os problemas do período ético, mas singularmente acentuados; procura-se-lhes a solução mediante uma metafísica completada pela religião. Tentar-se-á a síntese filosófica do dualismo platônico, do racionalismo aristotélico, do monismo estóico, e mais precisamente do transcendente divino platônico, do logos racional aristotélico, da alma estóica do mundo, em uma forma de triteísmo, em uma característica espécie de trindade divina. Nesta síntese metafísica prevalece o platonismo, com a sua radical separação entre o mundo sensível e inteligível, com a sua extrema transcendência da divindade, com a sua doutrina de uma queda original, com a sua religiosidade e o seu misticismo. Mas na metafísica neoplatônica - obra-prima deste período religioso - tal transcendência, característica do clássico dualismo grego, terminará no monismo emanatista.
O último período do pensamento grego abrange os primeiros cinco séculos da era vulgar: substancialmente, a idade do império romano, de que a filosofia religiosa neoplatônica forma como que a estruturação ideal; e também a idade da patrística cristã, com que o neoplatonismo tem contatos, intercâmbio e polêmicas. O centro deste movimento filosófico é Alexandria do Egito, capital comercial, cultural, religiosa do mundo cosmopolita helenista-romano, encruzilhada entre o Ocidente e o Oriente, sede do famoso Museu.
O sistema metafísico predominante no período religioso é o neoplatonismo, e o seu maior expoente é Plotino (III século d.C.), cuja vida e pensamento nos foram transmitidos pelo discípulo Porfírio. O neoplatonismo, todavia, tem rumos precursores nos primeiros séculos da era vulgar: I - oriental, em Filo de Alexandria, que tenta a síntese do pensamento grego com a revelação hebraica, interpretada à luz do pensamento grego, mas a este supra-ordenada; II - ocidental, no novo pitagorismo, cujo maior representante é Apolônio de Tiana, e no platonismo religioso, cujo maior expoente é Plutarco de Queronéia. E também teve o neoplatonismo desenvolvimento nos últimos séculos do império romano: 1°. - na assim chamada escola siríaca, cuja mais notável expressão é Jâmblico, e exerceu também certa influência política com o imperador Juliano Apóstata; 2°. - na chamada escola ateniense, cuja mais notável expressão é Proclo, que sistematizou definitivamente e transmitiu aos pósteros o pensamento neoplatônico. Com a escola ateniense acaba, também historicamente, o pensamento grego, pelo encerramento dessa escola ordenado por Justiniano imperador (529 d.C.). Entretanto, o pensamento grego - o pensamento platônico, pelo menos - já tinha sido assimilado pelo pensamento cristão patrístico, e a sua parte vital tinha sido transfundida e valorizada no cristianismo.




Eneida


Virgílio (Mosaico)
A Eneida (ÆNEIS em latim) é um poema épico latino escrito por Virgílio no século I a.C.. Conta a saga de Enéias, um troiano que é salvo dos gregos em Tróia, viaja errante pela região que atualmente é a Itália. Seu destino era ser o ancestral de todos os romanos.

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Uma Epopéia por encomenda
Virgílio já era ilustre pelas suas Bucólicas, um poema pastoril, e Geórgicas, um poema agrícola. Então, o imperador César Otaviano Augusto encomendou a Virgílio a composição de um poema épico que cantasse a glória e o poder de Roma. Um poema que rivalizasse e quiçá superasse Homero, e também que cantasse, indiretamente, a grandeza de César Augusto. Assim Virgílio vai elaborar um trabalho que, além de labor lingüístico e estro poético, é também propaganda política.
Muitos dos episódios na Eneida, que narra um tempo mítico, têm uma correspondência sincrônica com a atualidade de Augusto. Por exemplo o escudo de Enéias, simbolizando a batalha do Ácio, quando Otávio Augusto derrota Marco Antônio em 36 a.C. e a previsão de Anquises, no Hades, sobre as glórias de Marcelo, filho de Otávia, irmã do imperador.
Virgílio conclui a Eneida em 19. a.C.. A obra está completa mas não está ainda pronta segundo o seu criador. Virgílio gostaria ainda de visitar os lugares que aparecem no poema e revisar os versos dos cantos finais. Mas adoece e, às portas da morte, pede a dois amigos que queimem a obra por não estar ainda perfeita. O grande poema, já era conhecido de alguns amigos coevos, não é destruído - para nossa felicidade e fortuna literária. Sem a epopéia virgiliana, não haveria Orlando Furioso, O Paraíso Perdido, Os Lusíadas, dentre outros grandes clássicos da literatura mundial.
Ambição de Virgílio
Virgílio ao escrever esta epopéia inspirou-se em Homero, tentando superá-lo: Virgílio empenhou-se em fazer da Eneida o poema mais perfeito de todos os tempos. De certa forma, a primeira metade (seis primeiros cantos) da Eneida tenta superar a Odisseia, enquanto a segunda tenta superar a Ilíada. A primeira metade é um poema de viagem e a segunda um poema bélico.
Dramatis personæ
Há dois tipos de personagens na Eneida: os Humanos e os Deuses. Há uma espécie de terceira entidade que é a do Fatum (Fado, destino) que nem os deuses podem obliterar.
Humanos
Anquises, pai de Eneias
Ascânio, filho de Eneias e de Creusa.
Creusa, esposa de Eneias.
Dido, rainha de Cartago.
Evandro, ancião
Eneias, troiano, sobrevivente à guerra de Tróia
Turno, rei latino, inimigo de Eneias em Ítália
Deuses
Apolo, deus do Sol
Éolo, deus dos ventos
Juno, mulher de Júpiter, opositor de Eneias
Júpiter, o rei dos deuses
Mercúrio, o deus mensageiro
Neptuno , deus dos mares
Vénus, deusa do amor e da beleza, coadjuvante de Eneias
Nota: É de bom grado utilizar a terminologia latina (romana) para falar da Eneida, já que se trata de um poema romano.
Tempo da diegese
O tempo da diegese, ou seja dos acontecimentos narrados, ocorre imediatamente após a queda da cidade de Tróia, portanto a Eneida dá continuidade à Ilíada de Homero. Se a Odisséia narra as aventuras de um grego, de Ulisses (ou Odisseus), que tenta voltar para a sua casa e para a sua família, a Eneida narra as aventuras de um troiano que, depois da destruição de Tróia, foge com a sua família. A sua fuga dá-se por mar. Eneias procura um sítio para fundar uma nova cidade.
Tempo do discurso
Quando o texto começa, a aventura de Enéias já se iniciou (a narrativa começa in media res, isto é, a meio da acção). O herói naufraga ao largo de Cartago (a actual Tunes) e vai ter com a rainha Dido. Conta-lhe as suas viagens até ao momento em que se encontra. Esse é um processo de analepse (em inglês, flashback). A partir do quarto capítulo, o tempo da diegese é contemporâneo ao da narração do poema, ou seja os acontecimentos são narrados como se estivessem acontecendo no presente.
Capítulos ou Cantos
A Eneida tem doze capítulos, exactamente metade que a Odisseia.
I - Eneias naufraga ao largo de Cartago
Depois de partir da Sicília, Enéias é arrastado por uma tempestade que o faz naufragar. Enéias observa a cidade. Ele que vem de Tróia que fora totalmente arrasada e que tem por missão fundar uma nova cidade. É recebido por Dido, rainha de Cartago. Comove-se ao ver os afrescos nas paredes que narram a guerra de Tróia. Dido começa a apaixonar-se por Enéias.
II- Enéias narra a Dido o último dia de Tróia
Dido solicita a Enéias que lhe relate a queda da lendária cidade de Tróia. Ele conta o célebre episódio do Cavalo de Tróia. E conta como se deu a batalha durante a noite. Como o incêndio começou a devorar a cidade. No desespero Enéias decide lutar até morrer. Vênus, sua mãe, aparece e lhe diz: vai procurar o teu pai, a tua mulher e teu filho e abandona a cidade.
A cidade é tomada pelos gregos. Enéias procura sua mulher, Creusa, gritando pelas ruas À sua procura. Encontra o espectro dela. Com muita ternura o fantasma de Creusa diz-lhe uma profecia: que ele irá ter muitos infortúnios mas acabará por conseguir fundar uma nova cidade. Enéias consegue fugir com o seu pai às cavalitas e com o seu filho pela mão.
III- Enéias narra a Dido as suas viagens rumo à Itália
Eneias continua a contar a Dido as suas peripécias para chegar à Itália, até aportar em Cartago temporaria e acidentalmente. Conta a sua escala na Trácia e em Creta. A chegada a Épiro e à Sicília. Conta também seu encontro com Andrômaca (viúva de Heitor) e como faleceu o seu pai Anquises.
IV- Os amores de Dido e seu fim trágico
A rainha Dido, segundo a Eneida de Virgílio, após ouvir a narração do fim de Tróia e das viagens e peripécias de Enéias, influenciada por Vênus, deusa do amor e mãe de Enéias, vê-se completamente apaixonada pelo herói. Ela convida os troianos (Enéias e os seus companheiros) para uma caçada. No meio de uma tempestade, abrigados em uma caverna, Dido e Enéias se amam. Entretanto Júpiter envia Mercúrio a Enéias para lhe lembrar que seu destino é encontrar o Lácio e fundar uma nova cidade que substitua a cidade de Tróia destruída e que governe as demais cidades do mundo. Enéias tenta sair de Cartago sem que Dido se aperceba disso. Sentido-se abandonada, enganada e vilipendiada, furiosa e ensandecidada pelo amor não retribuído, ela se suicida enquanto partem os navios troianos e Enéias ainda pôde ver a fumaça da pira funérea saindo de seu palácio.
V- Os jogos fúnebres
Eneias aporta à Sicília e decide realizar jogos fúnebres em honra de seu pai Anquises. Já se passou um ano desde que este morreu.
(Este capítulo é importante para quem estuda a antropologia dos romanos porque dá indicações de como eles se relacionavam com a morte.)
VI- Descida de Eneias ao Mundo dos Mortos/Submundo


Enéas e a sibila de Cumas por Turner
Este é um dos episódios mais famosos da Eneida. Depois de Eneias ter partido da Sicília fez escala em Cumas. Nesse local consulta uma sacerdotisa (uma sibila) de Apolo. Ele tem um desejo intenso (em sonhos seu pai o havia conclamado a fazê-lo) de falar uma última vez com seu pai para lhe pedir conselho sobre a viagem. Obtém permissão de descer ao mundo dos mortos (este episódio faz lembrar outras descidas famosas ao mundo dos mortos: o episódio de Orfeu e Eurídice, a nekya de Odisseu, no canto XI da Odisséia. No mundo dos mortos vê vários espectros. Um deles o de Dido que, ladeada por seu primeiro esposo, não lhe responde.
O seu pai Anquises dá-lhe importantes informações sobre a sua viagem e faz uma longa profecia sobre o futuro glorioso de Roma. (infernos, o hades dos gregos)
VII- chegada ao Lacio
(Latium, província romana onde se situará Roma)
VIII- Evandro. Descrição do Escudo de Eneias
O canto VIII começa com o Rio Tibre a falar com Eneias, que lhe diz que deverá fazer aliança com Evandro e o seu povo. Eneias e os troianos são recebidos por Evandro com um banquete de consagração a Hércules, Evandro conta a história do monstro Caco. Evandro faz uma visita guiada, mostrando a cidade a Eneias. Vénus suplica armas a Vulcano, seu marido. Vulcano forja então o escudo de Eneias. (remetendo-nos para o episódio do escudo de Aquiles, da Ilíada de Homero) Um relampago dá então o sinal das armas de Eneias. Palante, filho de Evandro vai então para a guerra com Eneias. Evandro suplica aos deuses que não permitam que o seu filho morra. Vénus leva então as armas a Eneias. É-nos dada a descrição do escudo de Eneias, onde Eneias aparece como vencedor da batalha de Accio.
Simbologias da Eneida
A Eneida simboliza o poder imperial de Roma, sob o comando de César Octaviano Augusto. Dido simboliza o poder de Cartago, rival de Roma, que seria por esta destruída na terceira das guerras púnicas. Dido também simboliza Cleópatra, rainha do egipto, que se tinha aliado a um general romano, Marco António, para resistirem a Roma. Marco António e Cleópatra foram derrotados na batalha marítima do Áccio, ao largo do delta do Nilo. Dido simboliza assim a mulher misteriosa e sedutora do oriente, que resiste ao poder romano mas que por ele é submetido. Por metonímia simboliza todo o Médio Oriente e Norte de África que foram das últimas terras a serem conquistadas pelo Império Romano.
Turno simboliza os antecedentes latinos da "raça" romana, enquanto Eneias simboliza os antecedentes troianos (que são ficcionais). Eneias é uma personagem que permite dar a Roma uma ascendência mítica, juntando-se assim ao mito da fundação de Roma por Rómulo e Remo.
Repercussões literárias da Eneida
Dante Alighieri, no seu famoso episódio da descida aos infernos, é levado pela mão de Virgílio para ver os mesmos. Luís de Camões inspira-se directamente neste grande Épico romano para escrever os seus Os Lusíadas.

LITERATURA ROMANA
A língua: O latim, irmão do greto, é uma língua indo-germânica que se dilata com as conquistas por todas as províncias do Império, mas antes de ser fixada pela escrita viveu
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como dialeto ao lado de sus irmãos: o úmbrico, o osco, o volsco, o falisco, dialetos que foram desaparecendo na Itália à proporção que o latim se propagava, sendo admitido até por algumas províncias gregas.Não se sabe em que época foi introduzido o alfabeto no Lácio, mas supões-se que antes da fundação de Roma teria sido levado à Campânia pela colônia grega de Cumas. O certo é que na época de romanização (século 11 a.C.) o latim era já uma língua literária, embora arcaica, para cujo desenvolvimento muito concorreram as relações dos gregos com os romanos, e os escritos de Ênio, que introduziu o hexâmetro na poesia, até ser definitivamente fixada como língua sábia da época de Cícero. Desde então caracterizam a língua as seguintes qualidades: precisão de formas, correção lógica, concisão sintática, energia e gravidade oratória. A partir do século de Augusto, que é a idade de ouro da literatura, a língua latina começou a perder gradualmente as qualidades apontadas, abandonando a naturalidade e a simplicidade primitiva; desvia-se da corrente popular, abastardando-se em contato com os idiomas das populações distantes de Roma, e passa sucessivamente por esses períodos da decadência que se designam por idade de prata, idade de bronze e idade de ferro.
A literatura; Essa literatura, se não possui a vivacidade, o sentimento e a imaginação dos escritores gregos; se quanto à forma imita os gêneros criados pelo gênio grego, sem que por isso se lhe possa negar a originalidade de concepção; se não é uma literatura orgânica e espontânea, é contudo notável pela profundidade do pensamento, pela energia da expressão e pela sábia aliança do interesse particular com o geral. Abrange pouco mais de sete séculos, contados desde as primeiras imitações dos modelos gregos na época da romanização da Grécia até à queda do Império Romano do Ocidente. Três períodos se destacam. O primeiro, de Lívio Andrônico a Cícero: o segundo de Cícero à morte de Augusto; o terceiro, de Augusto a Odoacro. Primeiro período: Vai de 240 a 70 antes de Cristo, quando se destacaram Lívio Andrônico, Plauto, Terêncio, Ênio, Catão; segundo período: Vai de 70 a.C. a 11 de nossa era, quando se destacaram Virgílio, famoso autor das Bucólicas, das Geórgicas e da Eneida (poema épico mundialmente famoso), Ovídio, Cícero, Júlio César, Tito Lívio. Foi esta a idade de ouro da literatura romana, caracterizada pelo predomínio da influência grega. Terceiro período, de 14 a 476 d.C. A morte de Augusto marca a decadência da civilização romana. Destacaram-se: Sêneca, o filósofo; Lucano, Rutílio, Fábio Quintiliano, Plínio o Moço, Apuleio, Tácito, Suetônio, Tertuliano, São Cipriano, Santo Ambrósio, Santo Agostinho.
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CAPÍTULO XXVIII - a cultura romana nos finais da República e no início do Império





Colaboração: Renato Silva


A CULTURA ROMANA NOS FINAIS DA REPÚBLICA E NO INÍCIO DO IMPÉRIO.

NA ÉPOCA DAS GUERRAS CIVIS.

À época do começo das guerras civis, a sociedade romana já absorvera muitas das realizações da cultura helénica, reelaborando-as numa forma própria, itálica. Vimos como os preceptores e mestres estrangeiros (muitas vezes escravos) desempenharam um papel essencial neste processo de evolução cultural. “Helenizando” os romanos, eles próprios se foram “romanizando”, integrando-se organicamente na sociedade e na cultura do vencedor.
Após as grandes conquistas e a “importação” de elementos culturais exteriores, vieram épocas de tensão política e de luta aberta das classes, a guerra dos socii, as lutas pelo poder entre facções da classe dominante. Todas estas convulsões sociais tiveram forçosamente de se reflectir no processo cultural e, ao mesmo tempo, “acicataram-no”.
Posteriormente, o largo período de paz que se seguiu às guerras civis trouxe consigo a predominância dos círculos intelectuais esclavagistas mais conservadores. O “século de ouro” de Augusto dar-nos-á a poesia de Ovídio, a historiografia conservadora de Tito Lívio, a lírica epicurista de Horácio.

A ORATÓRIA POLÍTICA E FORENSE.

É no período das guerras civis que a língua literária latina atinge o seu pleno desenvolvimento (ela será mais tarde um poderoso instrumento na evolução da cultura europeia). A oratória, imprescindível nas vivas lutas políticas de então, teve nisso um papel determinante.
Recordemos os Gracos, Tibério e Caio, oradores políticos de excepção. Depois deles encontramos, na política e na actividade forense, toda uma série de eminentes oradores.
Lúcio Licínio Crasso (140 – 91), que já na sua juventude se distinguia na oratória, terá sido, ao que parece, o que mais eminente orador de então. A sua intervenção contra C. Papírio Carbão (um trânsfuga do campo dos Gracos) ficou célebre: arrasando Carbão, levou-o ao suicídio.
Crasso, ao serviço do governo romano no Oriente, vivera algum tempo em Atenas, onde pôde escutar os maiores oradores e mestres de oratória. Após o seu regresso a Roma tomou parte em alguns processos judiciais e na vida política, como homem do partido senatorial. Cícero considerava-o um dos maiores oradores romanos, que sabia juntar a elegância de expressão à acutilância nos seus discursos.

A arte oratória romana foi depois muito influenciada pela retórica da escola asiática, com o seu “rebuscamento”, o seu gosto pela forma, pela enfática, o sentido do ritmo no discurso, etc. O maior representante da corrente “moderada” desta oratória foi Molão de Rodes, mestre de todos os grandes oradores romanos do século I ae. Ao que parece, terá sido seu aluno Q. Hortênsio (114 – 50), advogado e membro do “partido” dos optimates, considerado o melhor orador do seu tempo até ao advento de Cícero.

Com Marcus Tullius Cicero a oratória romana atinge o seu apogeu, mas perdendo em sinceridade e arrebatamento emocional. Cícero teve uma excelsa instrução retórica, primeiro em Roma, depois em Atenas, onde frequentou as aulas de famosos mestres e pôde escutar os mais brilhantes oradores da época. A agitada época em que viveu deu-lhe a oportunidade de pôr à prova e de exercitar os seus conhecimentos e talento. Além de grande número de discursos políticos e forenses, chegaram até nós algumas das obras que escreveu sobre teoria da arte oratória: “De oratore”, Brutus”, etc.
O seu estilo pode caracterizar-se como “moderadamente asiático”. Os discursos são de elaboração muito esmerada e compostos sempre segundo a mesma estrutura. A premissa (exordium). A exposição dos factos (narratio). Parte principal (probatio). Em seguida uma síntese desta peça principal (repetitio). Por fim, a conclusão (peroratio).
Orador extraordinariamente multifacetado, com a mesma facilidade passava do tom comovente à ironia ou ao ataque violento. O seu vocabulário é vastíssimo. Usa a metáfora, a comparação e outras figuras de estilo. Recorre amplamente à prosa rítmica (tal como a escola retórica grega de que foi “aluno”).
Os seus discursos e obras literárias, apesar do carácter artificioso, patético e rebuscado, tiveram grande influência na evolução posterior da prosa latina. Já bem depois da sua época, Cícero será tido em grande apreço pelos “padres da Igreja” (os primeiros teólogos, na tradição católica). No Renascimento, os criadores dos idiomas literários da nova Europa inspirar-se-ão na sua obra. Ainda mais tarde, na grande revolução burguesa francesa, vemos que os “tribunos” de então lhe estudaram os discursos, procurando imitá-los.

A PROSA HISTÓRICA.

Aqui interessa-nos a sua contribuição no processo de desenvolvimento da língua latina. A retórica grega, “importada” para a historiografia pelos analistas menores, é superada pelos mestres do estilo que foram Salústio e César. O primeiro tomou por modelos Tucídides e Catão, que estudou a fundo. O segundo, excelente literato e orador, “racionalizou” a prosa latina. A sua linguagem é clara e simples, tal como a construção sintáctica. Despreza a ornamentação retórica, em especial o discurso rítmico. O idioma literário de César converteu-se em exemplo para os autores do “latim áureo”, na época imediatamente posterior.

A FILOSOFIA.
CÍCERO.

A especulação filosófica foi, por muito tempo, algo de estranho ao carácter prático da cultura romana. Ela veio “importada” da Grécia, pela mão de Cícero, numa época em que as correntes dominantes foram o cepticismo académico “moderado” e o estoicismo (séculos II e I). O ecléctico Cícero recolheu nesses “sistemas” as teses que lhe pareceram mais razoáveis.
Aos da sképsis (= indagação) foi buscar a doutrina (da Nova Academia; Carnéades de Cirene) do maior grau de probabilidade como “critério de verdade”. Não sabemos qual seja a representação verdadeira de um objecto, isto é, qual a representação que de facto lhe corresponde. Mas podemos dizer qual é a representação desse objecto que parece ser verdadeira para o sujeito. Se esta representação plausível ou que persuade o sujeito (pitanon) não é contraditada por outras representações sobre o mesmo género de objectos, ela tem um grau maior de probabilidade de verdade. A título de exemplo, assim os médicos diagnosticavam uma doença, por constatação de vários sintomas concordantes.
Aos estóicos, algumas ideias que achava serem comuns a todos os homens. A da imortalidade da alma, a da existência de Deus, etc.
Entre os escritos filosóficos de Cícero destacam-se: “De finibus bonorum et malorum”; “Tusculunae disputationes” (uma exposição crítica do que Cícero considerava serem os principais ensinamentos da filosofia grega); “De officiis”; “De natura deorum”; “De divinatione”.
As suas obras “De Republica” e “De legibus”, célebres na antiguidade, se bem que contenham alguns elementos de tema filosófico, pertencem ao tipo dos tratados políticos.
Cícero visou com os seus escritos um propósito de divulgação, e não propriamente uma crítica científica. Num idioma simples e grácil, realizou um magnífico labor de tradução à língua latina da terminologia filosófica grega. Porém, por falta de um conhecimento aprofundado sobre o pensamento filosófico grego, comete muitos erros na exposição das diversas doutrinas e noções filosóficas.
Já na Idade Média, as obras de Cícero de divulgação de temas filosóficos gregos serão uma das primeiras fontes para os homens da nova Europa.

LUCRÉCIO.

De Tito Lucrécio (ap. 98 – 54) apenas conhecemos um poema em seis livros, “De rerum natura”, escrito em hexâmetros, inacabado e insuficientemente elaborado.
Se as suas concepções filosóficas são colhidas no epicurismo, já o seu poema se apresenta como único na literatura mundial. Lucrécio conseguiu fundir nele, de modo harmónico, a ciência, a filosofia e a poesia. Em quadros de vivas cores, apresenta-nos a natureza e sociedade humana em incessante processo de desenvolvimento, como mundo de matéria em eterno movimento segundo leis próprias e imutáveis.
Tendo vivido uma época de tremendos conflitos civis, em que imperou a descrença no amanhã, o espectro da morte e o medo aos deuses, Lucrécio pretendia libertar os homens desses temores através da filosofia de Epicuro, que negando a imortalidade da alma, as recompensas e as punições divinas de uma vida além-túmulo e a intervenção dos deuses na vida dos homens – os deuses só existem nos espaços entre os mundos; com os mundos os deuses nada têm a ver –, afirmava ser possível alcançar a felicidade humana.
Humanista (e optimista), Lucrécio acreditava no futuro da humanidade. Sublinhava que, do estado animal, o homem soubera erguer-se até ao cume da civilização.
Na segunda parte do livro V, numa notável descrição do desenvolvimento da sociedade humana, curiosamente, toma para base desse processo a evolução verificada nos instrumentos de trabalho.

A CIÊNCIA.

A tentativa de Lucrécio de fazer uma síntese teórica científica sobre a vida na natureza e na sociedade foi única no mundo do pensamento romano. Os outros estudiosos romanos da época ficaram-se pelas simples recompilações de conhecimentos, elaboradas de um modo empírico primário.
A engenharia militar romana nunca descurou as inovações científico-técnicas alheias e ela própria foi geradora de soluções originais. Porém, na comum vida social, em geral, as ciências naturais foram descuradas (a peculiar economia de Roma e da Itália “explicam” esse desinteresse). Relembremos a título de exemplo que César, para a reforma do calendário, teve de se valer de um astrónomo alexandrino.
Varrão foi o máximo representante da ciência romana (e dos seus “recompiladores”) nesta época.

No campo das ciências sociais (além da história), os eruditos romanos continuaram a dar atenção à ciência jurídica e à linguística latina.

A POESIA.
A SÁTIRA.

Com o correr do tempo, a sátira, de composição ligeira de tema variado em prosa ou verso, adquire a sua forma final, a de poesia de crítica sarcástica e mordaz dos usos sociais).
O primeiro representante desta nova sátira é Caio Lucílio (ap. 180 – 100), um rico cavaleiro romano que foi amigo de Cipião o Jovem. Tendo vivido a época de reacção política posterior aos Gracos, foi testemunha da decadência e corrupção que as camarilhas oligárquicas trouxeram então a Roma. Escreveu trinta livros de sátiras, de que nos chegaram cerca de 600 fragmentos, em parte em versos hexâmetros, em parte em jâmbicos e troqueus. O elemento satírico não é constante em Lucílio, porém, nos trechos poéticos onde surge, tem um claro carácter de crítica e denúncia. O poeta usou largamente do falar popular nos seus versos, o que também contribuiu para lhe suscitar uma grande adesão do público.

De Varrão, que compilou uma grande colecção de “Sátiras Menipeias”, em cento e cinquenta livros, apenas se conservaram alguns fragmentos em mau estado (a Menipo, um grego do século III, foram os poetas romanos buscar a forma da sátira poética).

A LÍRICA.
CATULO.

Género literário intimista, a lírica não se coadunou, por muito tempo, com a mentalidade das camadas cultas da população romana. Com a crise social e a decadência da vida pública ela faz a sua aparição, tomando por base a lírica grega e, em particular, a rebuscada poesia alexandrina.
No século I ae, em Roma, um grupo de jovens poetas aristocráticos (Valério Catão, Licínio Calvo, Valério Catulo, etc.) forma o seu círculo literário e iniciam a reforma da poética latina, abandonando os arcaísmos de Énio e introduzindo as variedades métricas da lírica grega.

O mais famoso desses poetas foi Caio Valério Catulo (ap. 87 – 54), nascido em Verona (nordeste da Itália) numa rica família de equites. Seguindo o “alexandrinismo”, então em voga, algumas das suas obras estão redigidas num estilo artificioso, pleno de referências eruditas.
Escreveu também versos de carácter político. Inflamados epigramas contra César e a sua camarilha, denunciando-lhes a pilhagem da Gália (Catulo, todavia, depressa se reconciliou com o futuro ditador).
Mas é nos versos inspirados pelo seu ardente e atormentado amor por Clódia (irmã do já nosso conhecido Públio Clódio) que o grande poeta melhor se revela. Neles pinta todas as etapas e peripécias da sua paixão, desde o primeiro encontro até ao trágico desfecho... «Odi et amo, quare id faciam, fortasse requiris / Nescio, sed fieri sentio et excrucior» (Odeio e amo, porquê, perguntar-me-ás / Não o sei, mas é assim que o sinto e sofro).

O TEATRO.

Após a época dos Gracos o teatro dramático entrará em rápida decadência. Lúcio Ácio (ap. 170 – 85), filho de um liberto úmbrio, foi o último grande dramaturgo da época republicana. Escreveu cerca de cinquenta tragédias, de que apenas nos chegaram alguns versos, onde imitava os gregos (sobretudo Ésquilo, Sófocles e Eurípides). Também redigiu dois praetextae, Bruto (com a expulsão dos Tarquínios de Roma por tema) e Aeneades (sobre a morte de Décio Mus na atalha do Sentino).

No século I ae a tragédia e a comédia serão “destronadas” por um género cénico menor, a “atelana” e o “mimo”. Estas pantominas (de que Sila era um “devoto”) ganham então uma elaboração literária. Nos começos desse século, os poetas romanos Pompónio e Nóvio dão à atelana uma forma literária precisa (deles se conservaram a referência a numerosos títulos e alguns pequenos fragmentos). Sob essas novas “vestes”, a atelana difundiu-se largamente. É considerada a forma “ancestral” da commedia dell’arte italiana.
O mimo romano terá usado por modelo composições gregas análogas da época helenística, não obstante haver existido em Itália um género próprio de farsa popular rústica, que lhe serviu de base. Também o mimo ganha forma literária no início do século I ae. Os mais famosos autores de mimos foram o cavaleiro romano Décimo Labério e o liberto Publílio Siro.
Enquanto a “atelana” se fundava em quatro personagens principais fixos (Papo, Dosseno, Maco e Bucão), actuando nas mais variadas situações e papéis (inclusive os femininos), o mimo oferecia uma maior liberdade tanto ao autor como aos actores. As personagens não eram “máscaras” e os papéis femininos eram representados por mulheres. A improvisação era constante. A vida quotidiana fornecia os temas para as peças, onde se “enxertavam” ainda quadros de episódios mitológicos ou de histórias de aventuras. A linguagem usada era a popular.
Correspondendo aos “gostos do dia” do espectador romano, o mimo manter-se-á sobre os palcos de Roma até aos finais do Império.

NO PRINCIPADO DE AUGUSTO.

O imperador protegeu as correntes literárias acordes com o seu programa conservador. Virgílio e Horácio foram protegidos como “poetas da corte”. A Tito Lívio foi perdoada a sua “veia republicana”, dado o carácter patriótico e conservador da sua obra.
Da mesma sorte não terá gozado Asínio Polião, apesar de amigo de Augusto, pois que terá sido obrigado a deixar inacabada a sua “História das guerras civis” (uma das prováveis fontes de Apiano). As obras de Labieno foram queimadas por ordem do senado. O mesmo acontecerá à obra de Cremúcio Cordo nos tempos de Tibério, por narrar de modo hostil as origens da nova monarquia romana.

No “arrebanhar” dos literatos, Augusto contou com o auxílio de vários “colaboradores”. O mais célebre deles, que deu o seu nome a este tipo de patrocínio, foi Caio Cílnio Mecenas, um amigo íntimo do imperator. Em sua casa reunia um círculo de escritores e poetas, entre os quais Virgílio, Propércio, Horácio. Ajudava-os generosamente, desde que conformassem a sua actividade aos desejos imperiais.
Um outro círculo literário formou-se à volta de Marco Valério Messala Corvino. Este, se bem que partidário de Augusto, terá mantido as suas antigas convicções republicanas. Frequentavam-no vários poetas importantes (Tíbulo, por exemplo).

VIRGÍLIO.

Públio Virgílio Maro (70 – 19 ae) nasceu numa aldeia perto de Mântua, nas margens do Pó. O pai era um rico proprietário de terras e proporcionou-lhe uma boa educação. Virgílio estudou em Cremona, em Milão e Roma. Já terminados os estudos, foi privado da propriedade da sua família, confiscada em 42 a favor dos veteranos de Octaviano. Conseguirá, mais tarde, que lhe restituam as terras.

Alcança pela primeira vez a notoriedade com as suas “Bucólicas”, dez éclogas, canções pastorais do tipo dos idílios de Teócrito de Siracusa. Em algumas das éclogas, sob o aspecto de pastores, o poeta representa personagens seus contemporâneos, e são frequentes as referências aos acontecimentos políticos de então.
Estas éclogas constituem, em rigor, a primeira obra poética do “século de ouro” da literatura romana. A obra atraiu a atenção de Mecenas e, por intermédio deste, a de Octaviano.
Satisfazendo um “pedido” de Mecenas, surge a sua segunda obra importante, as “Geórgicas”. É consagrada à agricultura, que as guerras civis haviam arruinado. O poema compõe-se de quatro livros. O primeiro é dedicado à lavoura. O seguinte a criação de árvores e plantas. O terceiro, ao gado. O derradeiro, à apicultura. Virgílio trabalhou nesta obra durante sete anos, servindo-se de numerosas obras técnicas e literárias sobre estes temas.

A sua obra maior, que lhe trouxe a glória imortal, é a “Eneida”, um poema épico em doze cantos. Apesar de nele haver trabalhado durante dez anos, não conseguiu acabá-lo. A cumprir o testamento de Virgílio, a obra teria sido destruída após a sua morte. Augusto porém não o consentiu e ordenou a publicação do poema, tal como se encontrava à morte do poeta.
A “Eneida” imita os poemas homéricos pela composição, no “método” de episódios distintos, no género de linguagem. Se há muito de artificioso no poema, ele não deixa de ser, no entanto, uma das obras maiores da literatura mundial. Virgílio é o guia de Dante na “Divina Comédia”.Voltaire considerava-o superior a Homero. A “Eneida” foi o primeiro grande poema romano, escrito por um grande mestre da palavra na época de apogeu da literatura latina.
Virgílio não se propôs apenas um fim artístico, politicamente, visou glorificar o povo romano e afirmar-lhe o “destino providencial”, tratando de enaltecer simultaneamente a estirpe de Augusto. É por esta última razão que “escolhe” para base do poema a lenda da fuga de Eneias até Itália.

O poema começa com a descrição da tempestade que surpreende Eneias e os seus companheiros durante a travessia da Sicília para a Itália, no sétimo ano da sua “peregrinação”. A tormenta fora provocada por Juno, inimiga dos troianos, mas a mãe de Eneias, Vénus, aplaca a fúria do mar, dirigindo o navio para a costa africana. Dido, rainha de Cartago, recebe-os festivamente e, logo se enamorando de Eneias, pede-lhe que faça o relato das suas aventuras: da queda de Tróia e da sua fuga (livros II e III, que constituem os melhores cantos do poema).
Eneias e Dido celebram o seu matrimónio, porém, Mercúrio, enviado de Júpiter, ordena a Eneias que abandone a esposa e rume a Itália, onde havia de fundar um novo reino. Eneias submete-se à vontade dos deuses e Dido, em desespero, mata-se.
Desembarcando na costa itálica (livro VI), perto de Cumas, Eneias entra na caverna da Sibila e, juntamente com ela, desce até ao reino dos infernos. Ali encontra seu pai, Anquises, que lhe mostra o futuro destino de Roma. Ante Eneias desfilam os seus sucessores, de Rómulo a César e Augusto.
Da boca de Anquises, surge o célebre paralelo histórico entre os romanos e os outros povos, os gregos em particular: «Outros com mais primor rostos viventes / Farão de bronze duro ou fino mármore; / Oradores haverá mais eloquentes; / sábios poderão com mais seguro juízo / O céu esquadrinhar e as estrelas, / E os giros medir e o poder delas. / Tu, romano, reger deves o mundo; / Isto, e pazes ditar, te assina o fado...
Os cantos seguintes narram as aventuras de Eneias no Lácio. O rei Latino recebe e dá agasalho aos troianos, e quer dar a Eneias a sua filha Lavínia por esposa. Juno, porém, suscita a discórdia entre troianos e latinos. O principal inimigo de Eneias é Turno, rei dos rútulos, a quem Lavínia antes fora prometida. O poema interrompe-se à morte de Turno às mãos de Eneias.

HORÁCIO.

Bem diferente da lírica apaixonada e plena de contradições de Catulo será a de Horácio, serena e equilibrada, em poemas que “sabem” apreciar a vida e gozar plenamente da felicidade que ela lhe oferece.

Quinto Horácio Flaco (65 – 8 ae) era filho de um liberto, possuidor de uma pequena propriedade na Itália meridional. Na sua juventude Horácio fora republicano. Em Atenas, onde terminou os seus estudos, ingressa no exército de Bruto como tribuno militar. Na batalha de Filipos, Horácio fugirá do campo de batalha.
Os seus bens foram confiscados e Horácio é obrigado a permanecer no exílio durante algum tempo. Amnistiado, regressa a Roma, onde trabalha como escrivão. As suas primeiras composições poéticas vão atrair a atenção de Mecenas, que acabará por o proteger. Presenteado com uma pequena propriedade nos montes Sabinos, levando ali uma existência amena, em contacto com a natureza e rodeado de amigos, o poeta viverá então o seu período mais criador.
Elevou a métrica latina à perfeição absoluta. Ele próprio, exagerando, diz (Odes, III, 30): «Fui o primeiro a transformar as canções eólicas em ritmos dos ítalos». Já antes Catulo e outros poetas se haviam dedicado à reforma da métrica latina, mas Horácio superou-os pela variedade métrica, pela riqueza da linguagem, pela elegância das imagens.
Nas odes a sua poesia alcança a plena maturidade. Os gramáticos romanos designavam por esse nome composições poéticas breves, de tema diverso. Horácio chama-lhes simplesmente carmina (“poesias”). Chegaram-nos cento e três poesias, reunidas em quatro livros. Além da perfeição da forma poética, sobressai nelas um aprazível humanismo e a concepção epicurista da vida.
Carpe diem (“aproveita o dia presente”): «Não te importe saber o que trará o amanhã, aceita contente a jornada de hoje que te foi concedida pela sorte e não descuides, amigo meu, nem a dança nem as carícias da amada».
É célebre a trigésima ode do livro III, designada “Monumento”: «erigi um monumento mais perene que o bronze, mais alto que as pirâmides reais...
Entre as suas outras obras têm particular importância as epistulae, um novo género poético por ele criado (todas as epístolas estão compostas em hexâmetros). A terceira epístola do livro II, dirigida aos irmãos Pisão e intitulada De arte poetica, é um tratado teórico sobre a arte poética, em especial, a dramática. Nela Horácio expõe com concisão as teorias estéticas gregas, fundando-se sobretudo em Aristóteles. Esta epístola foi durante muito tempo guia para a criação dramática. No século XVII, o poeta francês Boileau usará essas teorias estéticas para compor a sua “Art poétique” (1674), que serviu de fundamento teórico ao “classicismo” dos tempos modernos.

OVÍDIO.

Tendência muito diferente foi a seguida por Públio Ovídio Naso (43 ae – 17 da era), que provinha de uma velha e rica família de cavaleiros de Sulmona (Sulmo), no Bruttium. Como era de uso à época nas famílias ricas, recebeu uma excelente educação retórica. Depois dos estudos em Roma, para os complementar, faz a “habitual” viagem até à Grécia e à Ásia Menor.
Regressando a Itália, a instâncias do pai, tenta iniciar uma carreira política, no que fracassa rotundamente. Atraído desde muito jovem pela poesia, decide então dedicar-se inteiramente a essa sua paixão, e a uma existência de rico ocioso. Através da sua terceira esposa, de ascendência nobre (da primeira divorciara-se e a segunda, ao que parece, terá morrido), Ovídio conseguiu fazer-se acolher pelos altos círculos da sociedade romana.
A sua obra literária divide-se em três períodos. Um primeiro, de elegias amorosas, de intensa carga erótica, granjeou-lhe a fama entre as camadas cultas da sociedade romana. As suas obras desta época são: os Amores, compostos por três livros; as Heroides, cartas de amor “escritas” por heroínas míticas e pelos seus amantes; “A arte de amar” (três livros); e o pequeno poema “Remédios de amor”.
Com o passar do tempo, Ovídio vai dedicar-se a outros temas. Para isso terá contribuído a “censura” de Augusto, descontente com o carácter amoroso e erótico das primeiras obras do poeta. Assim, nos anos anteriores ao seu exílio, Ovídio trabalhará nos seus “Fastos” e nas “Metamorfoses”.
Nos “Fastos”, quis descrever as principais festividades romanas e a sua origem. O poema devia compor-se de doze livros, tantos quanto os meses do ano, mas Ovídio apenas deu forma aos seis primeiros (até ao mês de Junho).

Em “As metamorfoses”, a sua obra principal, em quinze livros, “narra” as fabulosas transformações que se operam nos deuses, nos homens e nas coisas, desde o Caos (chaos: a massa confusa donde se formou o Universo), do qual nasce o mundo, até Júlio César, cuja apoteose (divinização) canta.
A prodigiosa variedade dos temas, a sua fervilhante imaginação, a pureza do seu latim literário (por vezes a raiar o discurso retórico), assegurou um grande êxito à obra ainda em vida do poeta.
O filho do Sol, Phaeton (Faetonte), que quis conduzir o carro de fogo e, pela sua inexperiência, quase destrói a Terra, incendiando-a. Philemon e Baucis (Báucide). Pygmalion, que se apaixona pela estatueta de mulher que esplendidamente talhara num dente de elefante. Daedalus (Dédalo) e Icarus (Ícaro), os primeiros homens a elevarem-se aos céus com as asas que eles próprios haviam construído, bem como muitos outros episódios de “As metamorfoses” serão a partir daí “glosados” na literatura e na arte mundial.
Ovídio ainda não havia terminado a sua obra-prima quando cai na desgraça de Augusto. Em desespero, o poeta queimou o manuscrito de “As metamorfoses”. O seu texto será reconstruído através das cópias que já antes circulavam em Roma.

Em 8 da era, por ordem de Augusto, Ovídio é condenado ao exílio na pequena cidade fortificada de Tomos (Tomi, antiga Mésia; junto à actual Constança, na Roménia;), na costa do Mar Negro. Por algumas referências do próprio Ovídio, o poeta ter-se-á envolvido numa das muitas “histórias” amorosas de Júlia, a neta do imperador, exilada também nessa época. De nada valeram a Ovídio os rogos dos amigos e da esposa, nem Augusto nem o seu sucessor, Tibério, lhe perdoaram, e o poeta irá morrer em Tomos, no ano 17 da era.
No desterro vai escrever “Os (versos) tristes” (em cinco livros) e as “Cartas do Ponto” (quatro livros), onde podemos encontrar “momentos” de grande valor poético. Por exemplo, o relato da sua última noite em Roma, a descrição da tempestade que o surpreendeu na viagem, os belíssimos quadros da natureza “selvagem” no país de exílio.

A HISTORIOGRAFIA.

Já conhecemos o maior historiador da época, Titus Livius. Entre os escritores menores há a destacar Pompeio Trogo, originário da Gália Narbonense. Escreveu a Historiae Philippicae (em quarenta e quatro livros), dedicada em especial à história da Macedónia, de que só nos chegaram breves sumários (de todos os livros) e uma sucinta relação sobre toda a obra, escritos pelo reitor Marco Juniano Justino no século II.

As grandes personagens da época, Agripa, Mecenas, Messala, o próprio Augusto, escreveram as suas “memórias”, infelizmente para nós perdidas.

A CIÊNCIA.

A ciência mantém o carácter empírico, descritivo e de aplicação concreta que lhe assinalámos nos tempos das guerras civis. É disso exemplo o famoso trabalho “Sobre a arquitectura” (em dez livros) de Vitrúvio Polião.
A obra não refere apenas a arquitectura propriamente dita, expondo também matérias de mecânica aplicada. Vitrúvio descreve, por exemplo, os mecanismos de elevação em geral; processos de elevação das águas; de medir as distâncias percorridas por um veículo.

Entre as outras ciências, desenvolve-se significativamente a geografia. Agrippa (66 – 12 ae), o genro de Augusto, elaborou uma grande carta geográfica do mundo então conhecido.
O grego Estrabão (66 ae – ano 24 da era), natural do Ponto, escreve em língua grega a sua “Geografia” (em sete livros), baseada em grande parte em observações pessoais. A obra chegou-nos quase completa e é a nossa fonte principal para a geografia da antiguidade.

Um continuador da tradição dos eruditos polígrafos romanos foi Marco Vérrio Flaco.


















A Eneida de Virgílio e a tradição épica ocidental
Virgil reading the ''Aeneid'' to Augustus and Octavia Kauffman, Angelica. Oil on canvas. 123x159 cm Germany. 1788 Source of Entry: Lazenki Palace, Warsaw. 1902

Paulo Martins

Antes de qualquer coisa, faço aqui um pequeno excurso. É comum, todas as vezes que começamos a ler o maior e melhor poema épico em língua portuguesa, Os Lusíadas, nosso professor de literatura associar a idéia de Renascimento à tradição cultural greco-romana e, nesse caso específico, à tradição literária da poesia épica, mostrando o quanto Homero é importante como modelo que foi seguido nesse momento histórico dos séculos XV e XVI. Realmente, não há como negar que as epopéias homéricas, A Ilíada e A Odisséia, como frutos e flores de uma civilização são marcos incontestes do mundo grego, afinal, até mesmo Platão, séculos depois da composição desses dois poemas, afirmara, tratando de Homero em seu livro A República, que “este poeta ensinou a Grécia”.Nesse sentido, se o poeta grego é o cerne da civilização helênica, também o seria para os romanos e, por conseqüência, para nós, ocidentais. Contudo, a poesia grega homérica possuía uma característica importante e diferenciada se comparada, por exemplo, ao Camões épico: a oralidade. Isto é, aquela poesia foi composta entre os séculos IX e VIII a.C. e transmitida oralmente por cantores (os aedos) antes de ser consignada pela escrita a partir do século VII a.C. Tal propriedade é importantíssima, pois determina características formais no poema, a saber: as repetições sistemáticas, a presença de epítetos (aspectos exemplares das personagens), as formulações lapidares que percorrem os milhares de versos das obras. Assim, se por um lado Homero é semelhante a Camões, por outro ele se distancia gravemente do mesmo, uma vez que o meio, pelo qual seus poemas são transmitidos, era diverso: o primeiro a voz; o segundo, a escrita.Bem, se proponho Homero, em certa medida, distante de Camões, a pergunta mais óbvia seria: Quem é o êmulo do poeta português na Antigüidade Clássica? E a resposta é imediata e direta: Virgílio. Tal afirmação seria até certo ponto irresponsável se não existisse um argumento de autoridade que a respaldasse. Todos sabem que Dante Alighieri (1265-1321), o autor da Divina Comédia, no século XIV, é um dos responsáveis pela grande síntese da história literária ocidental, ao associar a cultura medieval católico-cristã ao mundo clássico greco-latino, afinal, a idéia de paraíso, purgatório e inferno é, a um só tempo, cristã e pagã. Sem falarmos da presença de uma personagem fundamental no texto de Dante que é seu acompanhante ao mundo dos mortos: Virgílio. Vejam, não é Homero que o acompanha! Ainda hoje, também, nesse nosso mundo pós-moderno, “pós-tudo” ainda ecoa a voz de um poeta e crítico norte-americano radicado na Inglaterra nos anos 20 do século XX, T.S. Eliot (1888-1965). Ele nos informa sobre importância de Virgílio para a cultura ocidental ao propor: “Nenhuma língua moderna pode pretender produzir um clássico no sentido que considero Virgílio um clássico. O nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio.”Outras indagações poderiam surgir a partir desta conclusão de Eliot que assumo como minha: O que fez Virgílio então para receber tamanha dignidade? O que produziu? Como e quando escreveu?Nascido em Mântua, norte da península itálica, em 70 a.C., Virgílio produziu três grandes obras poéticas: As Bucólicas, As Geórgicas e A Eneida. Sua época é a do início do Império, isto é, momento em que a República romana sucumbe como conseqüência das guerras civis e da ditadura de Júlio César. Otávio Augusto assume a função de Príncipe e, a partir daí, se estabelece uma sucessão, em certa medida, hereditária e que só irá se extinguir com a queda do Império do ocidente, quinhentos anos mais tarde (em 476 da nossa era). Virgílio como escritor está associado à imagem de Augusto cujo lugar-tenente, Mecenas, aplica-se na constituição de um círculo cultural que serve ao poder, produzindo propaganda para feitos e poder do novo líder. Nesse mesmo grupo, surgem poetas como Propércio e Horácio (tão importantes quanto Virgílio na tradição literária ocidental).A Eneida, a despeito do fato de ser uma poesia encomendada com a finalidade de exaltar o poder de Augusto, inaugura uma nova possibilidade de constituição da épica, tendo como meio a escrita e, ainda, tendo por trás de si uma tradição literária que inclui Homero além dos poetas da época helenística. Constituída por 12 cantos, a épica virgiliana trata, como argumento, da fundação de Roma e tem como personagem principal Enéias, guerreiro troiano que foi incumbido pelos deuses a fundar a nova Tróia, Roma. Em sua saga, Enéias percorre um longo caminho até sua chegada à região do Lácio, percurso que, do ponto de vista da estrutura do poema, dura exatamente os seis primeiros cantos. E, assim, ao chegar ao local que lhe fora determinado, age, seguindo sua sina, empreendendo guerras de conquista, afinal é um herói e como tal está predestinado a combater. E essa ação heróica percorre os seis cantos finais da epopéia.Se observarmos mais atentamente o enredo, notaremos que ele está plenamente de acordo com a proposição do poema, afinal diz Virgílio logo no primeiro verso “Arma uirumque cano” (“As armas e o homem canto”) e isto significa que o poema tratará, de um lado, das desventuras de Enéias (homem) e, de outro lado, das campanhas bélicas empreendidas por ele (armas). Vale lembrar que, para os poetas romanos, a imitação (a mimese) é fundamental, portanto não seria possível produzir um texto épico que desconsiderasse Homero. E o poeta de Mântua, engenhosamente, estabelece a conexão de seu poema com a tradição, afinal de contas, essas desventuras do herói relacionam-se com o seu vagar pelo Mar Mediterrâneo, exatamente aquilo que ocorre na Odisséia, quando Ulisses é posto a realizar tarefas semelhantes até conseguir chegar aos braços de Penélope, sua fidelíssima esposa. Já na segunda parte do poema (os seis cantos finais) estão coadunados com o outro poema homérico (A Ilíada), uma vez que o fulcro é guerra. Curioso é observarmos que essa mesma estrutura permanece viva na épica moderna de Camões. Não é por acaso que em Os Lusíadas o homem Vasco da Gama e suas desventuras são decantadas.Na verdade, não há, na literatura dita ocidental, nenhum poema épico que não se apóie na estrutura d’A Eneida e segundo Curtius “Para todo o fim da Antigüidade, para a Idade Média, como para Dante, é Virgílio ‘o altíssimo poeta’”.