quinta-feira, 5 de novembro de 2009

DIREITO E EDUCAÇÃO NA ROMA ANTIGA
O Direito Romano
A obra universal e imperecível, que no Oriente foi a religião, na Grécia a filosofia, em Roma foi o direito, segundo a índole prática do gênio romano. O direito romano não é uma filosofia do direito, mas uma sistematização jurídica; não é uma construção teórica, mas a codificação de uma longa e vasta prática. Tal sistematização jurídica, todavia, implica numa concepção filosófica, numa filosofia do direito, num direito natural, que o pensamento grego pode deduzir da sistematização jurídica romana. O pensamento grego serviu à codificação do direito romano próprio e verdadeiro, se bem que os grandes jurisconsultos romanos teriam chegado sozinhos a esta codificação, do mesmo modo que Roma sozinha construiu o seu império.
Certamente, para chegar à construção de um direito universal, natural, racional, humano, Roma teve que superar a própria nacionalidade. Instaurado o Império, Roma não desnatura o seu gênio político original, mas realiza-o, desenvolve-o, valoriza-o, pois Roma era naturalmente feita para se tornar a capital do mundo, caput mundi. E, paralelamente, o direito romano no corpus juris justiniano é o lógico desenvolvimento do original germe jurídico, que, surgindo na família, expande-se através da cidade e do estado, e culmina no Império. Do direito civil chega até ao direito das gentes, antes, até aquele direito natural, a que chega a filosofia pelos caminhos da razão.
A Educação Romana
O espírito prático romano manifesta-se também na educação, que se inspirou, entre os romanos, nos ideais práticos e sociais. Na história da educação romana podem-se distinguir três fases principais: pré-helenista, helenista-republicana, helenista-imperial. A primeira e fundamental instituição romana de educação é a família de tipo patriarcal, germe de uma sociedade mais vasta, que vai da cidade ao império: os patres governam a coisa pública. Educador é o pai, que na sociedade familiar romana desempenha também as funções de senhor e de sacerdote - paterfamilias. Nesta obra educativa colaborava também a mãe, especialmente nos primeiros anos e no concernente aos primeiros cuidados dos filhos, sendo, em Roma, mais considerada a mulher do que na Grécia, dadas as suas predominantes qualidades práticas. O fim da educação é prático-social: a formação do agricultor, do cidadão, do guerreiro - salus reipublicae suprema lex esto. Essencialmente práticos e sociais são os meios: o exemplo, o treinamento ministrado pelo pai que faz o filho participar na sua atividade agrícola, econômica, militar e civil, a tradição doméstica e política - mos maiorum; e a religião - pietas - entendida como prática litúrgica, sendo a religião, em Roma, diversamente do que era na Grécia, sumamente pobre de arte e de pensamento. E tudo isso sob uma disciplina severa. Enfim, prático-social era o próprio conteúdo teorético da educação, a instrução propriamente dita, que se reduzia a uma aprendizagem mnemônica de prescrições jurídicas, concisas e conceituosas - as leis das doze tábuas - que regulavam os direitos e os deveres recíprocos naquela elementar mas forte sociedade agrícola-político-militar.
A educação romana sofreu necessariamente uma profunda modificação, quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se para a nova forma do estado imperial - entre o terceiro e o segundo século a.C. - veio em contato com a nova civilização helênica, cuja irresistível fascinação também Roma sofreu. Sentiu-se então a exigência de um novo sistema educativo, em que a instrução, especialmente literária, tivesse o seu lugar. Esta instrução literária partiu precisamente da cultura helênica. Primeiro são traduzidas para o latim as obras literárias e poéticas gregas - por exemplo, a Odisséia -, depois estudam-se os autores gregos no texto original, enfim se forma pouco a pouco uma literatura nacional romana sobre o modelo formal da grega. E, deste modo, a princípio é a literatura grega que se difunde em Roma, depois, mediante a literatura, é o pensamento grego que penetra e se difunde, e afinal, através do pensamento, entra e se espalha a concepção grega da vida - porquanto estava pelo menos nas possibilidades do caráter latino.
Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais hospedam em casa um mestre, geralmente grego - pedagogus ou litteratus. E, para atender às exigências culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos, constituindo escolas - ludi - de instituição privada sem ingerência alguma do estado. Essas escolas são de dois graus: elementares - a escola do litterator onde se aprendia a ler, escrever e calcular; médias - a escola do grammaticus - onde se ensinava a língua latina e a grega, se estudavam os autores das duas literaturas, através das quais se aprendia a cultura helênica em geral. Um terceiro grau será, enfim, constituído mediante as escolas de retórica, uma espécie de institutos universitários, que surgem com uma diferenciação e uma especialização superior da escola de gramática.
A sua finalidade era formar o orador, porquanto a carreira política representava, para o espírito prático romano, o ideal supremo. E, portanto, o ensino da eloqüência abrangia toda a cultura, do direito até à filosofia. O orador romano será o tipo do homem de ação, do político culto, em que a cultura é instrumento de ação - negotium e, logo, para os romanos, coisa muito séria, em relação com a seriedade da ação, e não simples distração - otium. Na reação dos conservadores contra a helenização da vida romana, os censores publicavam um decreto que condenava a escola latina de retórica (92 a.C.), por ser "novidade contrária aos costumes e aos preceitos dos maiores", e é definida até como ludus impudentiae. Acabam, todavia, por triunfar os inovadores, e a cultura helênica e os mestres gregos afluem a Roma sempre mais numerosos e bem acolhidos, enquanto a elite dos jovens romanos vai se aperfeiçoar nos centros de cultura helenista, especialmente em Atenas.
Juntamente com a organização do império organizam-se também as escolas romanas. Por certo, vindo a faltar a liberdade, vem a faltar o interesse político da cultura; as escolas de retórica perdem a função prática e social, transformando-se em meios de ornamento intelectual entre os lazeres de uma aristocracia cultural, o que, absolutamente falando, representa uma purificação da cultura no sentido especulativo, dianoético, grego; mas, relativamente ao espírito prático-social romano, significa uma decadência para o diletantismo. Seja como for, o estado romano mostra agora apreciar a cultura. Começam os imperadores romanos por conceder imunidade e retribuições aos mestres de retórica ainda docentes em casas particulares; depois o estado passa a favorecer e promover a instituição de escolas municipais de gramática e de retórica nas províncias; enfim são fundadas cátedras imperiais, especialmente de direito, nos grandes institutos universitários.
Um dos principais motivos de interesse imperial pela cultura e a sua difusão foi o fato de se ver nela um eficaz instrumento de romanização dos povos, um instrumento de penetração e de expansão da língua e dos jus romano, um meio, em suma, para o engrandecimento do império. E o resultado foi fecundo também para a cultura como tal, porquanto foi ela levada, embora modestamente, aqueles povos - Espanha, Gália, Grã-Bretanha, Germânia, províncias danubianas, África setentrional - a que o helenismo não pudera chegar. Tais escolas municipais foram tão vitais nas províncias, que muitas sobreviveram à queda do império romano ocidental, transformando-se em escolas eclesiásticas graças ao monaquismo cristão, e conservaram acesa na noite barbárica a chama da cultura clássica, preparadora dos esplêndidos renascimentos posteriores.
O teórico da pedagogia romana pode ser considerado Quintiliano. Nasceu na Espanha no II século d.C., foi professor de retórica em Roma, o primeiro docente pago pelo estado, quando Vespasiano era imperador. Na Instituição Oratória, em doze livros, expõe o processo de formação do orador - cuja figura ideal já delineara Cícero no De Oratore. Faz Quintiliano uma exposição completa, propondo programas e métodos que foram em grande parte adotados sucessivamente nas escolas do império. A instituição escolástica compreende os dois graus tradicionais de gramática e retórica. No curso de gramática ensinam-se a língua latina e a língua grega, a interpretação dos poetas - Vergílio e Homero - e as noções necessárias para este fim. No curso de retórica ensinam-se a interpretação dos historiadores - Lívio - e dos oradores - Cícero -, o direito e a filosofia, enquanto fornecem o conteúdo essencial à arte oratória. Um lugar de destaque ocupam as normas e as exercitações de eloqüência, o fim supremo da educação romana, segundo o espírito prático-político romana.
Período Religioso
Características Gerais
O quarto e último período do pensamento grego denomina-se religioso, porque o espírito humano procura a solução integral do problema da vida na religião ou nas religiões. O problema da vida é agudamente sentido, pelo fato de ser profundamente sentido o problema do mal. Deste problema não se acha, racionalmente, uma explicação plena, e, por conseguinte, se recorre à concepção de uma queda arcana, original, do espírito, de um conseqüente encarceramento do espírito no corpo, e de uma purificação e libertação ascética e mística. A desconfiança do conhecimento racional impede à evasão para um conhecimento supra-racional, imediato, intuitivo, místico, da realidade absoluta, para a revelação, o êxtase. Assim, o pensamento grego, que partiu de uma religião - positiva -, e a demoliu paulatina e criticamente nos grandes sistemas clássicos, volta, no seu término, para a religião. Já não se trata, porém, da velha religião grega, olímpica, homérica, absolutamente incapaz, devido aos seus limites naturalistas, humanistas, políticos, de resolver os grandes problemas transcendentes - do mal, da dor, da morte, do pecado - que nem sequer se propõe. Trata-se, ao contrário, das religiões orientais, semitas, místicas, misteriosóficas, especialmente propensas a estes problemas e fecundas em soluções do mais vivo interesse.
No período religioso permanecem os problemas do período ético, mas singularmente acentuados; procura-se-lhes a solução mediante uma metafísica completada pela religião. Tentar-se-á a síntese filosófica do dualismo platônico, do racionalismo aristotélico, do monismo estóico, e mais precisamente do transcendente divino platônico, do logos racional aristotélico, da alma estóica do mundo, em uma forma de triteísmo, em uma característica espécie de trindade divina. Nesta síntese metafísica prevalece o platonismo, com a sua radical separação entre o mundo sensível e inteligível, com a sua extrema transcendência da divindade, com a sua doutrina de uma queda original, com a sua religiosidade e o seu misticismo. Mas na metafísica neoplatônica - obra-prima deste período religioso - tal transcendência, característica do clássico dualismo grego, terminará no monismo emanatista.
O último período do pensamento grego abrange os primeiros cinco séculos da era vulgar: substancialmente, a idade do império romano, de que a filosofia religiosa neoplatônica forma como que a estruturação ideal; e também a idade da patrística cristã, com que o neoplatonismo tem contatos, intercâmbio e polêmicas. O centro deste movimento filosófico é Alexandria do Egito, capital comercial, cultural, religiosa do mundo cosmopolita helenista-romano, encruzilhada entre o Ocidente e o Oriente, sede do famoso Museu.
O sistema metafísico predominante no período religioso é o neoplatonismo, e o seu maior expoente é Plotino (III século d.C.), cuja vida e pensamento nos foram transmitidos pelo discípulo Porfírio. O neoplatonismo, todavia, tem rumos precursores nos primeiros séculos da era vulgar: I - oriental, em Filo de Alexandria, que tenta a síntese do pensamento grego com a revelação hebraica, interpretada à luz do pensamento grego, mas a este supra-ordenada; II - ocidental, no novo pitagorismo, cujo maior representante é Apolônio de Tiana, e no platonismo religioso, cujo maior expoente é Plutarco de Queronéia. E também teve o neoplatonismo desenvolvimento nos últimos séculos do império romano: 1°. - na assim chamada escola siríaca, cuja mais notável expressão é Jâmblico, e exerceu também certa influência política com o imperador Juliano Apóstata; 2°. - na chamada escola ateniense, cuja mais notável expressão é Proclo, que sistematizou definitivamente e transmitiu aos pósteros o pensamento neoplatônico. Com a escola ateniense acaba, também historicamente, o pensamento grego, pelo encerramento dessa escola ordenado por Justiniano imperador (529 d.C.). Entretanto, o pensamento grego - o pensamento platônico, pelo menos - já tinha sido assimilado pelo pensamento cristão patrístico, e a sua parte vital tinha sido transfundida e valorizada no cristianismo.




Eneida


Virgílio (Mosaico)
A Eneida (ÆNEIS em latim) é um poema épico latino escrito por Virgílio no século I a.C.. Conta a saga de Enéias, um troiano que é salvo dos gregos em Tróia, viaja errante pela região que atualmente é a Itália. Seu destino era ser o ancestral de todos os romanos.

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Uma Epopéia por encomenda
Virgílio já era ilustre pelas suas Bucólicas, um poema pastoril, e Geórgicas, um poema agrícola. Então, o imperador César Otaviano Augusto encomendou a Virgílio a composição de um poema épico que cantasse a glória e o poder de Roma. Um poema que rivalizasse e quiçá superasse Homero, e também que cantasse, indiretamente, a grandeza de César Augusto. Assim Virgílio vai elaborar um trabalho que, além de labor lingüístico e estro poético, é também propaganda política.
Muitos dos episódios na Eneida, que narra um tempo mítico, têm uma correspondência sincrônica com a atualidade de Augusto. Por exemplo o escudo de Enéias, simbolizando a batalha do Ácio, quando Otávio Augusto derrota Marco Antônio em 36 a.C. e a previsão de Anquises, no Hades, sobre as glórias de Marcelo, filho de Otávia, irmã do imperador.
Virgílio conclui a Eneida em 19. a.C.. A obra está completa mas não está ainda pronta segundo o seu criador. Virgílio gostaria ainda de visitar os lugares que aparecem no poema e revisar os versos dos cantos finais. Mas adoece e, às portas da morte, pede a dois amigos que queimem a obra por não estar ainda perfeita. O grande poema, já era conhecido de alguns amigos coevos, não é destruído - para nossa felicidade e fortuna literária. Sem a epopéia virgiliana, não haveria Orlando Furioso, O Paraíso Perdido, Os Lusíadas, dentre outros grandes clássicos da literatura mundial.
Ambição de Virgílio
Virgílio ao escrever esta epopéia inspirou-se em Homero, tentando superá-lo: Virgílio empenhou-se em fazer da Eneida o poema mais perfeito de todos os tempos. De certa forma, a primeira metade (seis primeiros cantos) da Eneida tenta superar a Odisseia, enquanto a segunda tenta superar a Ilíada. A primeira metade é um poema de viagem e a segunda um poema bélico.
Dramatis personæ
Há dois tipos de personagens na Eneida: os Humanos e os Deuses. Há uma espécie de terceira entidade que é a do Fatum (Fado, destino) que nem os deuses podem obliterar.
Humanos
Anquises, pai de Eneias
Ascânio, filho de Eneias e de Creusa.
Creusa, esposa de Eneias.
Dido, rainha de Cartago.
Evandro, ancião
Eneias, troiano, sobrevivente à guerra de Tróia
Turno, rei latino, inimigo de Eneias em Ítália
Deuses
Apolo, deus do Sol
Éolo, deus dos ventos
Juno, mulher de Júpiter, opositor de Eneias
Júpiter, o rei dos deuses
Mercúrio, o deus mensageiro
Neptuno , deus dos mares
Vénus, deusa do amor e da beleza, coadjuvante de Eneias
Nota: É de bom grado utilizar a terminologia latina (romana) para falar da Eneida, já que se trata de um poema romano.
Tempo da diegese
O tempo da diegese, ou seja dos acontecimentos narrados, ocorre imediatamente após a queda da cidade de Tróia, portanto a Eneida dá continuidade à Ilíada de Homero. Se a Odisséia narra as aventuras de um grego, de Ulisses (ou Odisseus), que tenta voltar para a sua casa e para a sua família, a Eneida narra as aventuras de um troiano que, depois da destruição de Tróia, foge com a sua família. A sua fuga dá-se por mar. Eneias procura um sítio para fundar uma nova cidade.
Tempo do discurso
Quando o texto começa, a aventura de Enéias já se iniciou (a narrativa começa in media res, isto é, a meio da acção). O herói naufraga ao largo de Cartago (a actual Tunes) e vai ter com a rainha Dido. Conta-lhe as suas viagens até ao momento em que se encontra. Esse é um processo de analepse (em inglês, flashback). A partir do quarto capítulo, o tempo da diegese é contemporâneo ao da narração do poema, ou seja os acontecimentos são narrados como se estivessem acontecendo no presente.
Capítulos ou Cantos
A Eneida tem doze capítulos, exactamente metade que a Odisseia.
I - Eneias naufraga ao largo de Cartago
Depois de partir da Sicília, Enéias é arrastado por uma tempestade que o faz naufragar. Enéias observa a cidade. Ele que vem de Tróia que fora totalmente arrasada e que tem por missão fundar uma nova cidade. É recebido por Dido, rainha de Cartago. Comove-se ao ver os afrescos nas paredes que narram a guerra de Tróia. Dido começa a apaixonar-se por Enéias.
II- Enéias narra a Dido o último dia de Tróia
Dido solicita a Enéias que lhe relate a queda da lendária cidade de Tróia. Ele conta o célebre episódio do Cavalo de Tróia. E conta como se deu a batalha durante a noite. Como o incêndio começou a devorar a cidade. No desespero Enéias decide lutar até morrer. Vênus, sua mãe, aparece e lhe diz: vai procurar o teu pai, a tua mulher e teu filho e abandona a cidade.
A cidade é tomada pelos gregos. Enéias procura sua mulher, Creusa, gritando pelas ruas À sua procura. Encontra o espectro dela. Com muita ternura o fantasma de Creusa diz-lhe uma profecia: que ele irá ter muitos infortúnios mas acabará por conseguir fundar uma nova cidade. Enéias consegue fugir com o seu pai às cavalitas e com o seu filho pela mão.
III- Enéias narra a Dido as suas viagens rumo à Itália
Eneias continua a contar a Dido as suas peripécias para chegar à Itália, até aportar em Cartago temporaria e acidentalmente. Conta a sua escala na Trácia e em Creta. A chegada a Épiro e à Sicília. Conta também seu encontro com Andrômaca (viúva de Heitor) e como faleceu o seu pai Anquises.
IV- Os amores de Dido e seu fim trágico
A rainha Dido, segundo a Eneida de Virgílio, após ouvir a narração do fim de Tróia e das viagens e peripécias de Enéias, influenciada por Vênus, deusa do amor e mãe de Enéias, vê-se completamente apaixonada pelo herói. Ela convida os troianos (Enéias e os seus companheiros) para uma caçada. No meio de uma tempestade, abrigados em uma caverna, Dido e Enéias se amam. Entretanto Júpiter envia Mercúrio a Enéias para lhe lembrar que seu destino é encontrar o Lácio e fundar uma nova cidade que substitua a cidade de Tróia destruída e que governe as demais cidades do mundo. Enéias tenta sair de Cartago sem que Dido se aperceba disso. Sentido-se abandonada, enganada e vilipendiada, furiosa e ensandecidada pelo amor não retribuído, ela se suicida enquanto partem os navios troianos e Enéias ainda pôde ver a fumaça da pira funérea saindo de seu palácio.
V- Os jogos fúnebres
Eneias aporta à Sicília e decide realizar jogos fúnebres em honra de seu pai Anquises. Já se passou um ano desde que este morreu.
(Este capítulo é importante para quem estuda a antropologia dos romanos porque dá indicações de como eles se relacionavam com a morte.)
VI- Descida de Eneias ao Mundo dos Mortos/Submundo


Enéas e a sibila de Cumas por Turner
Este é um dos episódios mais famosos da Eneida. Depois de Eneias ter partido da Sicília fez escala em Cumas. Nesse local consulta uma sacerdotisa (uma sibila) de Apolo. Ele tem um desejo intenso (em sonhos seu pai o havia conclamado a fazê-lo) de falar uma última vez com seu pai para lhe pedir conselho sobre a viagem. Obtém permissão de descer ao mundo dos mortos (este episódio faz lembrar outras descidas famosas ao mundo dos mortos: o episódio de Orfeu e Eurídice, a nekya de Odisseu, no canto XI da Odisséia. No mundo dos mortos vê vários espectros. Um deles o de Dido que, ladeada por seu primeiro esposo, não lhe responde.
O seu pai Anquises dá-lhe importantes informações sobre a sua viagem e faz uma longa profecia sobre o futuro glorioso de Roma. (infernos, o hades dos gregos)
VII- chegada ao Lacio
(Latium, província romana onde se situará Roma)
VIII- Evandro. Descrição do Escudo de Eneias
O canto VIII começa com o Rio Tibre a falar com Eneias, que lhe diz que deverá fazer aliança com Evandro e o seu povo. Eneias e os troianos são recebidos por Evandro com um banquete de consagração a Hércules, Evandro conta a história do monstro Caco. Evandro faz uma visita guiada, mostrando a cidade a Eneias. Vénus suplica armas a Vulcano, seu marido. Vulcano forja então o escudo de Eneias. (remetendo-nos para o episódio do escudo de Aquiles, da Ilíada de Homero) Um relampago dá então o sinal das armas de Eneias. Palante, filho de Evandro vai então para a guerra com Eneias. Evandro suplica aos deuses que não permitam que o seu filho morra. Vénus leva então as armas a Eneias. É-nos dada a descrição do escudo de Eneias, onde Eneias aparece como vencedor da batalha de Accio.
Simbologias da Eneida
A Eneida simboliza o poder imperial de Roma, sob o comando de César Octaviano Augusto. Dido simboliza o poder de Cartago, rival de Roma, que seria por esta destruída na terceira das guerras púnicas. Dido também simboliza Cleópatra, rainha do egipto, que se tinha aliado a um general romano, Marco António, para resistirem a Roma. Marco António e Cleópatra foram derrotados na batalha marítima do Áccio, ao largo do delta do Nilo. Dido simboliza assim a mulher misteriosa e sedutora do oriente, que resiste ao poder romano mas que por ele é submetido. Por metonímia simboliza todo o Médio Oriente e Norte de África que foram das últimas terras a serem conquistadas pelo Império Romano.
Turno simboliza os antecedentes latinos da "raça" romana, enquanto Eneias simboliza os antecedentes troianos (que são ficcionais). Eneias é uma personagem que permite dar a Roma uma ascendência mítica, juntando-se assim ao mito da fundação de Roma por Rómulo e Remo.
Repercussões literárias da Eneida
Dante Alighieri, no seu famoso episódio da descida aos infernos, é levado pela mão de Virgílio para ver os mesmos. Luís de Camões inspira-se directamente neste grande Épico romano para escrever os seus Os Lusíadas.

LITERATURA ROMANA
A língua: O latim, irmão do greto, é uma língua indo-germânica que se dilata com as conquistas por todas as províncias do Império, mas antes de ser fixada pela escrita viveu
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como dialeto ao lado de sus irmãos: o úmbrico, o osco, o volsco, o falisco, dialetos que foram desaparecendo na Itália à proporção que o latim se propagava, sendo admitido até por algumas províncias gregas.Não se sabe em que época foi introduzido o alfabeto no Lácio, mas supões-se que antes da fundação de Roma teria sido levado à Campânia pela colônia grega de Cumas. O certo é que na época de romanização (século 11 a.C.) o latim era já uma língua literária, embora arcaica, para cujo desenvolvimento muito concorreram as relações dos gregos com os romanos, e os escritos de Ênio, que introduziu o hexâmetro na poesia, até ser definitivamente fixada como língua sábia da época de Cícero. Desde então caracterizam a língua as seguintes qualidades: precisão de formas, correção lógica, concisão sintática, energia e gravidade oratória. A partir do século de Augusto, que é a idade de ouro da literatura, a língua latina começou a perder gradualmente as qualidades apontadas, abandonando a naturalidade e a simplicidade primitiva; desvia-se da corrente popular, abastardando-se em contato com os idiomas das populações distantes de Roma, e passa sucessivamente por esses períodos da decadência que se designam por idade de prata, idade de bronze e idade de ferro.
A literatura; Essa literatura, se não possui a vivacidade, o sentimento e a imaginação dos escritores gregos; se quanto à forma imita os gêneros criados pelo gênio grego, sem que por isso se lhe possa negar a originalidade de concepção; se não é uma literatura orgânica e espontânea, é contudo notável pela profundidade do pensamento, pela energia da expressão e pela sábia aliança do interesse particular com o geral. Abrange pouco mais de sete séculos, contados desde as primeiras imitações dos modelos gregos na época da romanização da Grécia até à queda do Império Romano do Ocidente. Três períodos se destacam. O primeiro, de Lívio Andrônico a Cícero: o segundo de Cícero à morte de Augusto; o terceiro, de Augusto a Odoacro. Primeiro período: Vai de 240 a 70 antes de Cristo, quando se destacaram Lívio Andrônico, Plauto, Terêncio, Ênio, Catão; segundo período: Vai de 70 a.C. a 11 de nossa era, quando se destacaram Virgílio, famoso autor das Bucólicas, das Geórgicas e da Eneida (poema épico mundialmente famoso), Ovídio, Cícero, Júlio César, Tito Lívio. Foi esta a idade de ouro da literatura romana, caracterizada pelo predomínio da influência grega. Terceiro período, de 14 a 476 d.C. A morte de Augusto marca a decadência da civilização romana. Destacaram-se: Sêneca, o filósofo; Lucano, Rutílio, Fábio Quintiliano, Plínio o Moço, Apuleio, Tácito, Suetônio, Tertuliano, São Cipriano, Santo Ambrósio, Santo Agostinho.
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CAPÍTULO XXVIII - a cultura romana nos finais da República e no início do Império





Colaboração: Renato Silva


A CULTURA ROMANA NOS FINAIS DA REPÚBLICA E NO INÍCIO DO IMPÉRIO.

NA ÉPOCA DAS GUERRAS CIVIS.

À época do começo das guerras civis, a sociedade romana já absorvera muitas das realizações da cultura helénica, reelaborando-as numa forma própria, itálica. Vimos como os preceptores e mestres estrangeiros (muitas vezes escravos) desempenharam um papel essencial neste processo de evolução cultural. “Helenizando” os romanos, eles próprios se foram “romanizando”, integrando-se organicamente na sociedade e na cultura do vencedor.
Após as grandes conquistas e a “importação” de elementos culturais exteriores, vieram épocas de tensão política e de luta aberta das classes, a guerra dos socii, as lutas pelo poder entre facções da classe dominante. Todas estas convulsões sociais tiveram forçosamente de se reflectir no processo cultural e, ao mesmo tempo, “acicataram-no”.
Posteriormente, o largo período de paz que se seguiu às guerras civis trouxe consigo a predominância dos círculos intelectuais esclavagistas mais conservadores. O “século de ouro” de Augusto dar-nos-á a poesia de Ovídio, a historiografia conservadora de Tito Lívio, a lírica epicurista de Horácio.

A ORATÓRIA POLÍTICA E FORENSE.

É no período das guerras civis que a língua literária latina atinge o seu pleno desenvolvimento (ela será mais tarde um poderoso instrumento na evolução da cultura europeia). A oratória, imprescindível nas vivas lutas políticas de então, teve nisso um papel determinante.
Recordemos os Gracos, Tibério e Caio, oradores políticos de excepção. Depois deles encontramos, na política e na actividade forense, toda uma série de eminentes oradores.
Lúcio Licínio Crasso (140 – 91), que já na sua juventude se distinguia na oratória, terá sido, ao que parece, o que mais eminente orador de então. A sua intervenção contra C. Papírio Carbão (um trânsfuga do campo dos Gracos) ficou célebre: arrasando Carbão, levou-o ao suicídio.
Crasso, ao serviço do governo romano no Oriente, vivera algum tempo em Atenas, onde pôde escutar os maiores oradores e mestres de oratória. Após o seu regresso a Roma tomou parte em alguns processos judiciais e na vida política, como homem do partido senatorial. Cícero considerava-o um dos maiores oradores romanos, que sabia juntar a elegância de expressão à acutilância nos seus discursos.

A arte oratória romana foi depois muito influenciada pela retórica da escola asiática, com o seu “rebuscamento”, o seu gosto pela forma, pela enfática, o sentido do ritmo no discurso, etc. O maior representante da corrente “moderada” desta oratória foi Molão de Rodes, mestre de todos os grandes oradores romanos do século I ae. Ao que parece, terá sido seu aluno Q. Hortênsio (114 – 50), advogado e membro do “partido” dos optimates, considerado o melhor orador do seu tempo até ao advento de Cícero.

Com Marcus Tullius Cicero a oratória romana atinge o seu apogeu, mas perdendo em sinceridade e arrebatamento emocional. Cícero teve uma excelsa instrução retórica, primeiro em Roma, depois em Atenas, onde frequentou as aulas de famosos mestres e pôde escutar os mais brilhantes oradores da época. A agitada época em que viveu deu-lhe a oportunidade de pôr à prova e de exercitar os seus conhecimentos e talento. Além de grande número de discursos políticos e forenses, chegaram até nós algumas das obras que escreveu sobre teoria da arte oratória: “De oratore”, Brutus”, etc.
O seu estilo pode caracterizar-se como “moderadamente asiático”. Os discursos são de elaboração muito esmerada e compostos sempre segundo a mesma estrutura. A premissa (exordium). A exposição dos factos (narratio). Parte principal (probatio). Em seguida uma síntese desta peça principal (repetitio). Por fim, a conclusão (peroratio).
Orador extraordinariamente multifacetado, com a mesma facilidade passava do tom comovente à ironia ou ao ataque violento. O seu vocabulário é vastíssimo. Usa a metáfora, a comparação e outras figuras de estilo. Recorre amplamente à prosa rítmica (tal como a escola retórica grega de que foi “aluno”).
Os seus discursos e obras literárias, apesar do carácter artificioso, patético e rebuscado, tiveram grande influência na evolução posterior da prosa latina. Já bem depois da sua época, Cícero será tido em grande apreço pelos “padres da Igreja” (os primeiros teólogos, na tradição católica). No Renascimento, os criadores dos idiomas literários da nova Europa inspirar-se-ão na sua obra. Ainda mais tarde, na grande revolução burguesa francesa, vemos que os “tribunos” de então lhe estudaram os discursos, procurando imitá-los.

A PROSA HISTÓRICA.

Aqui interessa-nos a sua contribuição no processo de desenvolvimento da língua latina. A retórica grega, “importada” para a historiografia pelos analistas menores, é superada pelos mestres do estilo que foram Salústio e César. O primeiro tomou por modelos Tucídides e Catão, que estudou a fundo. O segundo, excelente literato e orador, “racionalizou” a prosa latina. A sua linguagem é clara e simples, tal como a construção sintáctica. Despreza a ornamentação retórica, em especial o discurso rítmico. O idioma literário de César converteu-se em exemplo para os autores do “latim áureo”, na época imediatamente posterior.

A FILOSOFIA.
CÍCERO.

A especulação filosófica foi, por muito tempo, algo de estranho ao carácter prático da cultura romana. Ela veio “importada” da Grécia, pela mão de Cícero, numa época em que as correntes dominantes foram o cepticismo académico “moderado” e o estoicismo (séculos II e I). O ecléctico Cícero recolheu nesses “sistemas” as teses que lhe pareceram mais razoáveis.
Aos da sképsis (= indagação) foi buscar a doutrina (da Nova Academia; Carnéades de Cirene) do maior grau de probabilidade como “critério de verdade”. Não sabemos qual seja a representação verdadeira de um objecto, isto é, qual a representação que de facto lhe corresponde. Mas podemos dizer qual é a representação desse objecto que parece ser verdadeira para o sujeito. Se esta representação plausível ou que persuade o sujeito (pitanon) não é contraditada por outras representações sobre o mesmo género de objectos, ela tem um grau maior de probabilidade de verdade. A título de exemplo, assim os médicos diagnosticavam uma doença, por constatação de vários sintomas concordantes.
Aos estóicos, algumas ideias que achava serem comuns a todos os homens. A da imortalidade da alma, a da existência de Deus, etc.
Entre os escritos filosóficos de Cícero destacam-se: “De finibus bonorum et malorum”; “Tusculunae disputationes” (uma exposição crítica do que Cícero considerava serem os principais ensinamentos da filosofia grega); “De officiis”; “De natura deorum”; “De divinatione”.
As suas obras “De Republica” e “De legibus”, célebres na antiguidade, se bem que contenham alguns elementos de tema filosófico, pertencem ao tipo dos tratados políticos.
Cícero visou com os seus escritos um propósito de divulgação, e não propriamente uma crítica científica. Num idioma simples e grácil, realizou um magnífico labor de tradução à língua latina da terminologia filosófica grega. Porém, por falta de um conhecimento aprofundado sobre o pensamento filosófico grego, comete muitos erros na exposição das diversas doutrinas e noções filosóficas.
Já na Idade Média, as obras de Cícero de divulgação de temas filosóficos gregos serão uma das primeiras fontes para os homens da nova Europa.

LUCRÉCIO.

De Tito Lucrécio (ap. 98 – 54) apenas conhecemos um poema em seis livros, “De rerum natura”, escrito em hexâmetros, inacabado e insuficientemente elaborado.
Se as suas concepções filosóficas são colhidas no epicurismo, já o seu poema se apresenta como único na literatura mundial. Lucrécio conseguiu fundir nele, de modo harmónico, a ciência, a filosofia e a poesia. Em quadros de vivas cores, apresenta-nos a natureza e sociedade humana em incessante processo de desenvolvimento, como mundo de matéria em eterno movimento segundo leis próprias e imutáveis.
Tendo vivido uma época de tremendos conflitos civis, em que imperou a descrença no amanhã, o espectro da morte e o medo aos deuses, Lucrécio pretendia libertar os homens desses temores através da filosofia de Epicuro, que negando a imortalidade da alma, as recompensas e as punições divinas de uma vida além-túmulo e a intervenção dos deuses na vida dos homens – os deuses só existem nos espaços entre os mundos; com os mundos os deuses nada têm a ver –, afirmava ser possível alcançar a felicidade humana.
Humanista (e optimista), Lucrécio acreditava no futuro da humanidade. Sublinhava que, do estado animal, o homem soubera erguer-se até ao cume da civilização.
Na segunda parte do livro V, numa notável descrição do desenvolvimento da sociedade humana, curiosamente, toma para base desse processo a evolução verificada nos instrumentos de trabalho.

A CIÊNCIA.

A tentativa de Lucrécio de fazer uma síntese teórica científica sobre a vida na natureza e na sociedade foi única no mundo do pensamento romano. Os outros estudiosos romanos da época ficaram-se pelas simples recompilações de conhecimentos, elaboradas de um modo empírico primário.
A engenharia militar romana nunca descurou as inovações científico-técnicas alheias e ela própria foi geradora de soluções originais. Porém, na comum vida social, em geral, as ciências naturais foram descuradas (a peculiar economia de Roma e da Itália “explicam” esse desinteresse). Relembremos a título de exemplo que César, para a reforma do calendário, teve de se valer de um astrónomo alexandrino.
Varrão foi o máximo representante da ciência romana (e dos seus “recompiladores”) nesta época.

No campo das ciências sociais (além da história), os eruditos romanos continuaram a dar atenção à ciência jurídica e à linguística latina.

A POESIA.
A SÁTIRA.

Com o correr do tempo, a sátira, de composição ligeira de tema variado em prosa ou verso, adquire a sua forma final, a de poesia de crítica sarcástica e mordaz dos usos sociais).
O primeiro representante desta nova sátira é Caio Lucílio (ap. 180 – 100), um rico cavaleiro romano que foi amigo de Cipião o Jovem. Tendo vivido a época de reacção política posterior aos Gracos, foi testemunha da decadência e corrupção que as camarilhas oligárquicas trouxeram então a Roma. Escreveu trinta livros de sátiras, de que nos chegaram cerca de 600 fragmentos, em parte em versos hexâmetros, em parte em jâmbicos e troqueus. O elemento satírico não é constante em Lucílio, porém, nos trechos poéticos onde surge, tem um claro carácter de crítica e denúncia. O poeta usou largamente do falar popular nos seus versos, o que também contribuiu para lhe suscitar uma grande adesão do público.

De Varrão, que compilou uma grande colecção de “Sátiras Menipeias”, em cento e cinquenta livros, apenas se conservaram alguns fragmentos em mau estado (a Menipo, um grego do século III, foram os poetas romanos buscar a forma da sátira poética).

A LÍRICA.
CATULO.

Género literário intimista, a lírica não se coadunou, por muito tempo, com a mentalidade das camadas cultas da população romana. Com a crise social e a decadência da vida pública ela faz a sua aparição, tomando por base a lírica grega e, em particular, a rebuscada poesia alexandrina.
No século I ae, em Roma, um grupo de jovens poetas aristocráticos (Valério Catão, Licínio Calvo, Valério Catulo, etc.) forma o seu círculo literário e iniciam a reforma da poética latina, abandonando os arcaísmos de Énio e introduzindo as variedades métricas da lírica grega.

O mais famoso desses poetas foi Caio Valério Catulo (ap. 87 – 54), nascido em Verona (nordeste da Itália) numa rica família de equites. Seguindo o “alexandrinismo”, então em voga, algumas das suas obras estão redigidas num estilo artificioso, pleno de referências eruditas.
Escreveu também versos de carácter político. Inflamados epigramas contra César e a sua camarilha, denunciando-lhes a pilhagem da Gália (Catulo, todavia, depressa se reconciliou com o futuro ditador).
Mas é nos versos inspirados pelo seu ardente e atormentado amor por Clódia (irmã do já nosso conhecido Públio Clódio) que o grande poeta melhor se revela. Neles pinta todas as etapas e peripécias da sua paixão, desde o primeiro encontro até ao trágico desfecho... «Odi et amo, quare id faciam, fortasse requiris / Nescio, sed fieri sentio et excrucior» (Odeio e amo, porquê, perguntar-me-ás / Não o sei, mas é assim que o sinto e sofro).

O TEATRO.

Após a época dos Gracos o teatro dramático entrará em rápida decadência. Lúcio Ácio (ap. 170 – 85), filho de um liberto úmbrio, foi o último grande dramaturgo da época republicana. Escreveu cerca de cinquenta tragédias, de que apenas nos chegaram alguns versos, onde imitava os gregos (sobretudo Ésquilo, Sófocles e Eurípides). Também redigiu dois praetextae, Bruto (com a expulsão dos Tarquínios de Roma por tema) e Aeneades (sobre a morte de Décio Mus na atalha do Sentino).

No século I ae a tragédia e a comédia serão “destronadas” por um género cénico menor, a “atelana” e o “mimo”. Estas pantominas (de que Sila era um “devoto”) ganham então uma elaboração literária. Nos começos desse século, os poetas romanos Pompónio e Nóvio dão à atelana uma forma literária precisa (deles se conservaram a referência a numerosos títulos e alguns pequenos fragmentos). Sob essas novas “vestes”, a atelana difundiu-se largamente. É considerada a forma “ancestral” da commedia dell’arte italiana.
O mimo romano terá usado por modelo composições gregas análogas da época helenística, não obstante haver existido em Itália um género próprio de farsa popular rústica, que lhe serviu de base. Também o mimo ganha forma literária no início do século I ae. Os mais famosos autores de mimos foram o cavaleiro romano Décimo Labério e o liberto Publílio Siro.
Enquanto a “atelana” se fundava em quatro personagens principais fixos (Papo, Dosseno, Maco e Bucão), actuando nas mais variadas situações e papéis (inclusive os femininos), o mimo oferecia uma maior liberdade tanto ao autor como aos actores. As personagens não eram “máscaras” e os papéis femininos eram representados por mulheres. A improvisação era constante. A vida quotidiana fornecia os temas para as peças, onde se “enxertavam” ainda quadros de episódios mitológicos ou de histórias de aventuras. A linguagem usada era a popular.
Correspondendo aos “gostos do dia” do espectador romano, o mimo manter-se-á sobre os palcos de Roma até aos finais do Império.

NO PRINCIPADO DE AUGUSTO.

O imperador protegeu as correntes literárias acordes com o seu programa conservador. Virgílio e Horácio foram protegidos como “poetas da corte”. A Tito Lívio foi perdoada a sua “veia republicana”, dado o carácter patriótico e conservador da sua obra.
Da mesma sorte não terá gozado Asínio Polião, apesar de amigo de Augusto, pois que terá sido obrigado a deixar inacabada a sua “História das guerras civis” (uma das prováveis fontes de Apiano). As obras de Labieno foram queimadas por ordem do senado. O mesmo acontecerá à obra de Cremúcio Cordo nos tempos de Tibério, por narrar de modo hostil as origens da nova monarquia romana.

No “arrebanhar” dos literatos, Augusto contou com o auxílio de vários “colaboradores”. O mais célebre deles, que deu o seu nome a este tipo de patrocínio, foi Caio Cílnio Mecenas, um amigo íntimo do imperator. Em sua casa reunia um círculo de escritores e poetas, entre os quais Virgílio, Propércio, Horácio. Ajudava-os generosamente, desde que conformassem a sua actividade aos desejos imperiais.
Um outro círculo literário formou-se à volta de Marco Valério Messala Corvino. Este, se bem que partidário de Augusto, terá mantido as suas antigas convicções republicanas. Frequentavam-no vários poetas importantes (Tíbulo, por exemplo).

VIRGÍLIO.

Públio Virgílio Maro (70 – 19 ae) nasceu numa aldeia perto de Mântua, nas margens do Pó. O pai era um rico proprietário de terras e proporcionou-lhe uma boa educação. Virgílio estudou em Cremona, em Milão e Roma. Já terminados os estudos, foi privado da propriedade da sua família, confiscada em 42 a favor dos veteranos de Octaviano. Conseguirá, mais tarde, que lhe restituam as terras.

Alcança pela primeira vez a notoriedade com as suas “Bucólicas”, dez éclogas, canções pastorais do tipo dos idílios de Teócrito de Siracusa. Em algumas das éclogas, sob o aspecto de pastores, o poeta representa personagens seus contemporâneos, e são frequentes as referências aos acontecimentos políticos de então.
Estas éclogas constituem, em rigor, a primeira obra poética do “século de ouro” da literatura romana. A obra atraiu a atenção de Mecenas e, por intermédio deste, a de Octaviano.
Satisfazendo um “pedido” de Mecenas, surge a sua segunda obra importante, as “Geórgicas”. É consagrada à agricultura, que as guerras civis haviam arruinado. O poema compõe-se de quatro livros. O primeiro é dedicado à lavoura. O seguinte a criação de árvores e plantas. O terceiro, ao gado. O derradeiro, à apicultura. Virgílio trabalhou nesta obra durante sete anos, servindo-se de numerosas obras técnicas e literárias sobre estes temas.

A sua obra maior, que lhe trouxe a glória imortal, é a “Eneida”, um poema épico em doze cantos. Apesar de nele haver trabalhado durante dez anos, não conseguiu acabá-lo. A cumprir o testamento de Virgílio, a obra teria sido destruída após a sua morte. Augusto porém não o consentiu e ordenou a publicação do poema, tal como se encontrava à morte do poeta.
A “Eneida” imita os poemas homéricos pela composição, no “método” de episódios distintos, no género de linguagem. Se há muito de artificioso no poema, ele não deixa de ser, no entanto, uma das obras maiores da literatura mundial. Virgílio é o guia de Dante na “Divina Comédia”.Voltaire considerava-o superior a Homero. A “Eneida” foi o primeiro grande poema romano, escrito por um grande mestre da palavra na época de apogeu da literatura latina.
Virgílio não se propôs apenas um fim artístico, politicamente, visou glorificar o povo romano e afirmar-lhe o “destino providencial”, tratando de enaltecer simultaneamente a estirpe de Augusto. É por esta última razão que “escolhe” para base do poema a lenda da fuga de Eneias até Itália.

O poema começa com a descrição da tempestade que surpreende Eneias e os seus companheiros durante a travessia da Sicília para a Itália, no sétimo ano da sua “peregrinação”. A tormenta fora provocada por Juno, inimiga dos troianos, mas a mãe de Eneias, Vénus, aplaca a fúria do mar, dirigindo o navio para a costa africana. Dido, rainha de Cartago, recebe-os festivamente e, logo se enamorando de Eneias, pede-lhe que faça o relato das suas aventuras: da queda de Tróia e da sua fuga (livros II e III, que constituem os melhores cantos do poema).
Eneias e Dido celebram o seu matrimónio, porém, Mercúrio, enviado de Júpiter, ordena a Eneias que abandone a esposa e rume a Itália, onde havia de fundar um novo reino. Eneias submete-se à vontade dos deuses e Dido, em desespero, mata-se.
Desembarcando na costa itálica (livro VI), perto de Cumas, Eneias entra na caverna da Sibila e, juntamente com ela, desce até ao reino dos infernos. Ali encontra seu pai, Anquises, que lhe mostra o futuro destino de Roma. Ante Eneias desfilam os seus sucessores, de Rómulo a César e Augusto.
Da boca de Anquises, surge o célebre paralelo histórico entre os romanos e os outros povos, os gregos em particular: «Outros com mais primor rostos viventes / Farão de bronze duro ou fino mármore; / Oradores haverá mais eloquentes; / sábios poderão com mais seguro juízo / O céu esquadrinhar e as estrelas, / E os giros medir e o poder delas. / Tu, romano, reger deves o mundo; / Isto, e pazes ditar, te assina o fado...
Os cantos seguintes narram as aventuras de Eneias no Lácio. O rei Latino recebe e dá agasalho aos troianos, e quer dar a Eneias a sua filha Lavínia por esposa. Juno, porém, suscita a discórdia entre troianos e latinos. O principal inimigo de Eneias é Turno, rei dos rútulos, a quem Lavínia antes fora prometida. O poema interrompe-se à morte de Turno às mãos de Eneias.

HORÁCIO.

Bem diferente da lírica apaixonada e plena de contradições de Catulo será a de Horácio, serena e equilibrada, em poemas que “sabem” apreciar a vida e gozar plenamente da felicidade que ela lhe oferece.

Quinto Horácio Flaco (65 – 8 ae) era filho de um liberto, possuidor de uma pequena propriedade na Itália meridional. Na sua juventude Horácio fora republicano. Em Atenas, onde terminou os seus estudos, ingressa no exército de Bruto como tribuno militar. Na batalha de Filipos, Horácio fugirá do campo de batalha.
Os seus bens foram confiscados e Horácio é obrigado a permanecer no exílio durante algum tempo. Amnistiado, regressa a Roma, onde trabalha como escrivão. As suas primeiras composições poéticas vão atrair a atenção de Mecenas, que acabará por o proteger. Presenteado com uma pequena propriedade nos montes Sabinos, levando ali uma existência amena, em contacto com a natureza e rodeado de amigos, o poeta viverá então o seu período mais criador.
Elevou a métrica latina à perfeição absoluta. Ele próprio, exagerando, diz (Odes, III, 30): «Fui o primeiro a transformar as canções eólicas em ritmos dos ítalos». Já antes Catulo e outros poetas se haviam dedicado à reforma da métrica latina, mas Horácio superou-os pela variedade métrica, pela riqueza da linguagem, pela elegância das imagens.
Nas odes a sua poesia alcança a plena maturidade. Os gramáticos romanos designavam por esse nome composições poéticas breves, de tema diverso. Horácio chama-lhes simplesmente carmina (“poesias”). Chegaram-nos cento e três poesias, reunidas em quatro livros. Além da perfeição da forma poética, sobressai nelas um aprazível humanismo e a concepção epicurista da vida.
Carpe diem (“aproveita o dia presente”): «Não te importe saber o que trará o amanhã, aceita contente a jornada de hoje que te foi concedida pela sorte e não descuides, amigo meu, nem a dança nem as carícias da amada».
É célebre a trigésima ode do livro III, designada “Monumento”: «erigi um monumento mais perene que o bronze, mais alto que as pirâmides reais...
Entre as suas outras obras têm particular importância as epistulae, um novo género poético por ele criado (todas as epístolas estão compostas em hexâmetros). A terceira epístola do livro II, dirigida aos irmãos Pisão e intitulada De arte poetica, é um tratado teórico sobre a arte poética, em especial, a dramática. Nela Horácio expõe com concisão as teorias estéticas gregas, fundando-se sobretudo em Aristóteles. Esta epístola foi durante muito tempo guia para a criação dramática. No século XVII, o poeta francês Boileau usará essas teorias estéticas para compor a sua “Art poétique” (1674), que serviu de fundamento teórico ao “classicismo” dos tempos modernos.

OVÍDIO.

Tendência muito diferente foi a seguida por Públio Ovídio Naso (43 ae – 17 da era), que provinha de uma velha e rica família de cavaleiros de Sulmona (Sulmo), no Bruttium. Como era de uso à época nas famílias ricas, recebeu uma excelente educação retórica. Depois dos estudos em Roma, para os complementar, faz a “habitual” viagem até à Grécia e à Ásia Menor.
Regressando a Itália, a instâncias do pai, tenta iniciar uma carreira política, no que fracassa rotundamente. Atraído desde muito jovem pela poesia, decide então dedicar-se inteiramente a essa sua paixão, e a uma existência de rico ocioso. Através da sua terceira esposa, de ascendência nobre (da primeira divorciara-se e a segunda, ao que parece, terá morrido), Ovídio conseguiu fazer-se acolher pelos altos círculos da sociedade romana.
A sua obra literária divide-se em três períodos. Um primeiro, de elegias amorosas, de intensa carga erótica, granjeou-lhe a fama entre as camadas cultas da sociedade romana. As suas obras desta época são: os Amores, compostos por três livros; as Heroides, cartas de amor “escritas” por heroínas míticas e pelos seus amantes; “A arte de amar” (três livros); e o pequeno poema “Remédios de amor”.
Com o passar do tempo, Ovídio vai dedicar-se a outros temas. Para isso terá contribuído a “censura” de Augusto, descontente com o carácter amoroso e erótico das primeiras obras do poeta. Assim, nos anos anteriores ao seu exílio, Ovídio trabalhará nos seus “Fastos” e nas “Metamorfoses”.
Nos “Fastos”, quis descrever as principais festividades romanas e a sua origem. O poema devia compor-se de doze livros, tantos quanto os meses do ano, mas Ovídio apenas deu forma aos seis primeiros (até ao mês de Junho).

Em “As metamorfoses”, a sua obra principal, em quinze livros, “narra” as fabulosas transformações que se operam nos deuses, nos homens e nas coisas, desde o Caos (chaos: a massa confusa donde se formou o Universo), do qual nasce o mundo, até Júlio César, cuja apoteose (divinização) canta.
A prodigiosa variedade dos temas, a sua fervilhante imaginação, a pureza do seu latim literário (por vezes a raiar o discurso retórico), assegurou um grande êxito à obra ainda em vida do poeta.
O filho do Sol, Phaeton (Faetonte), que quis conduzir o carro de fogo e, pela sua inexperiência, quase destrói a Terra, incendiando-a. Philemon e Baucis (Báucide). Pygmalion, que se apaixona pela estatueta de mulher que esplendidamente talhara num dente de elefante. Daedalus (Dédalo) e Icarus (Ícaro), os primeiros homens a elevarem-se aos céus com as asas que eles próprios haviam construído, bem como muitos outros episódios de “As metamorfoses” serão a partir daí “glosados” na literatura e na arte mundial.
Ovídio ainda não havia terminado a sua obra-prima quando cai na desgraça de Augusto. Em desespero, o poeta queimou o manuscrito de “As metamorfoses”. O seu texto será reconstruído através das cópias que já antes circulavam em Roma.

Em 8 da era, por ordem de Augusto, Ovídio é condenado ao exílio na pequena cidade fortificada de Tomos (Tomi, antiga Mésia; junto à actual Constança, na Roménia;), na costa do Mar Negro. Por algumas referências do próprio Ovídio, o poeta ter-se-á envolvido numa das muitas “histórias” amorosas de Júlia, a neta do imperador, exilada também nessa época. De nada valeram a Ovídio os rogos dos amigos e da esposa, nem Augusto nem o seu sucessor, Tibério, lhe perdoaram, e o poeta irá morrer em Tomos, no ano 17 da era.
No desterro vai escrever “Os (versos) tristes” (em cinco livros) e as “Cartas do Ponto” (quatro livros), onde podemos encontrar “momentos” de grande valor poético. Por exemplo, o relato da sua última noite em Roma, a descrição da tempestade que o surpreendeu na viagem, os belíssimos quadros da natureza “selvagem” no país de exílio.

A HISTORIOGRAFIA.

Já conhecemos o maior historiador da época, Titus Livius. Entre os escritores menores há a destacar Pompeio Trogo, originário da Gália Narbonense. Escreveu a Historiae Philippicae (em quarenta e quatro livros), dedicada em especial à história da Macedónia, de que só nos chegaram breves sumários (de todos os livros) e uma sucinta relação sobre toda a obra, escritos pelo reitor Marco Juniano Justino no século II.

As grandes personagens da época, Agripa, Mecenas, Messala, o próprio Augusto, escreveram as suas “memórias”, infelizmente para nós perdidas.

A CIÊNCIA.

A ciência mantém o carácter empírico, descritivo e de aplicação concreta que lhe assinalámos nos tempos das guerras civis. É disso exemplo o famoso trabalho “Sobre a arquitectura” (em dez livros) de Vitrúvio Polião.
A obra não refere apenas a arquitectura propriamente dita, expondo também matérias de mecânica aplicada. Vitrúvio descreve, por exemplo, os mecanismos de elevação em geral; processos de elevação das águas; de medir as distâncias percorridas por um veículo.

Entre as outras ciências, desenvolve-se significativamente a geografia. Agrippa (66 – 12 ae), o genro de Augusto, elaborou uma grande carta geográfica do mundo então conhecido.
O grego Estrabão (66 ae – ano 24 da era), natural do Ponto, escreve em língua grega a sua “Geografia” (em sete livros), baseada em grande parte em observações pessoais. A obra chegou-nos quase completa e é a nossa fonte principal para a geografia da antiguidade.

Um continuador da tradição dos eruditos polígrafos romanos foi Marco Vérrio Flaco.


















A Eneida de Virgílio e a tradição épica ocidental
Virgil reading the ''Aeneid'' to Augustus and Octavia Kauffman, Angelica. Oil on canvas. 123x159 cm Germany. 1788 Source of Entry: Lazenki Palace, Warsaw. 1902

Paulo Martins

Antes de qualquer coisa, faço aqui um pequeno excurso. É comum, todas as vezes que começamos a ler o maior e melhor poema épico em língua portuguesa, Os Lusíadas, nosso professor de literatura associar a idéia de Renascimento à tradição cultural greco-romana e, nesse caso específico, à tradição literária da poesia épica, mostrando o quanto Homero é importante como modelo que foi seguido nesse momento histórico dos séculos XV e XVI. Realmente, não há como negar que as epopéias homéricas, A Ilíada e A Odisséia, como frutos e flores de uma civilização são marcos incontestes do mundo grego, afinal, até mesmo Platão, séculos depois da composição desses dois poemas, afirmara, tratando de Homero em seu livro A República, que “este poeta ensinou a Grécia”.Nesse sentido, se o poeta grego é o cerne da civilização helênica, também o seria para os romanos e, por conseqüência, para nós, ocidentais. Contudo, a poesia grega homérica possuía uma característica importante e diferenciada se comparada, por exemplo, ao Camões épico: a oralidade. Isto é, aquela poesia foi composta entre os séculos IX e VIII a.C. e transmitida oralmente por cantores (os aedos) antes de ser consignada pela escrita a partir do século VII a.C. Tal propriedade é importantíssima, pois determina características formais no poema, a saber: as repetições sistemáticas, a presença de epítetos (aspectos exemplares das personagens), as formulações lapidares que percorrem os milhares de versos das obras. Assim, se por um lado Homero é semelhante a Camões, por outro ele se distancia gravemente do mesmo, uma vez que o meio, pelo qual seus poemas são transmitidos, era diverso: o primeiro a voz; o segundo, a escrita.Bem, se proponho Homero, em certa medida, distante de Camões, a pergunta mais óbvia seria: Quem é o êmulo do poeta português na Antigüidade Clássica? E a resposta é imediata e direta: Virgílio. Tal afirmação seria até certo ponto irresponsável se não existisse um argumento de autoridade que a respaldasse. Todos sabem que Dante Alighieri (1265-1321), o autor da Divina Comédia, no século XIV, é um dos responsáveis pela grande síntese da história literária ocidental, ao associar a cultura medieval católico-cristã ao mundo clássico greco-latino, afinal, a idéia de paraíso, purgatório e inferno é, a um só tempo, cristã e pagã. Sem falarmos da presença de uma personagem fundamental no texto de Dante que é seu acompanhante ao mundo dos mortos: Virgílio. Vejam, não é Homero que o acompanha! Ainda hoje, também, nesse nosso mundo pós-moderno, “pós-tudo” ainda ecoa a voz de um poeta e crítico norte-americano radicado na Inglaterra nos anos 20 do século XX, T.S. Eliot (1888-1965). Ele nos informa sobre importância de Virgílio para a cultura ocidental ao propor: “Nenhuma língua moderna pode pretender produzir um clássico no sentido que considero Virgílio um clássico. O nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio.”Outras indagações poderiam surgir a partir desta conclusão de Eliot que assumo como minha: O que fez Virgílio então para receber tamanha dignidade? O que produziu? Como e quando escreveu?Nascido em Mântua, norte da península itálica, em 70 a.C., Virgílio produziu três grandes obras poéticas: As Bucólicas, As Geórgicas e A Eneida. Sua época é a do início do Império, isto é, momento em que a República romana sucumbe como conseqüência das guerras civis e da ditadura de Júlio César. Otávio Augusto assume a função de Príncipe e, a partir daí, se estabelece uma sucessão, em certa medida, hereditária e que só irá se extinguir com a queda do Império do ocidente, quinhentos anos mais tarde (em 476 da nossa era). Virgílio como escritor está associado à imagem de Augusto cujo lugar-tenente, Mecenas, aplica-se na constituição de um círculo cultural que serve ao poder, produzindo propaganda para feitos e poder do novo líder. Nesse mesmo grupo, surgem poetas como Propércio e Horácio (tão importantes quanto Virgílio na tradição literária ocidental).A Eneida, a despeito do fato de ser uma poesia encomendada com a finalidade de exaltar o poder de Augusto, inaugura uma nova possibilidade de constituição da épica, tendo como meio a escrita e, ainda, tendo por trás de si uma tradição literária que inclui Homero além dos poetas da época helenística. Constituída por 12 cantos, a épica virgiliana trata, como argumento, da fundação de Roma e tem como personagem principal Enéias, guerreiro troiano que foi incumbido pelos deuses a fundar a nova Tróia, Roma. Em sua saga, Enéias percorre um longo caminho até sua chegada à região do Lácio, percurso que, do ponto de vista da estrutura do poema, dura exatamente os seis primeiros cantos. E, assim, ao chegar ao local que lhe fora determinado, age, seguindo sua sina, empreendendo guerras de conquista, afinal é um herói e como tal está predestinado a combater. E essa ação heróica percorre os seis cantos finais da epopéia.Se observarmos mais atentamente o enredo, notaremos que ele está plenamente de acordo com a proposição do poema, afinal diz Virgílio logo no primeiro verso “Arma uirumque cano” (“As armas e o homem canto”) e isto significa que o poema tratará, de um lado, das desventuras de Enéias (homem) e, de outro lado, das campanhas bélicas empreendidas por ele (armas). Vale lembrar que, para os poetas romanos, a imitação (a mimese) é fundamental, portanto não seria possível produzir um texto épico que desconsiderasse Homero. E o poeta de Mântua, engenhosamente, estabelece a conexão de seu poema com a tradição, afinal de contas, essas desventuras do herói relacionam-se com o seu vagar pelo Mar Mediterrâneo, exatamente aquilo que ocorre na Odisséia, quando Ulisses é posto a realizar tarefas semelhantes até conseguir chegar aos braços de Penélope, sua fidelíssima esposa. Já na segunda parte do poema (os seis cantos finais) estão coadunados com o outro poema homérico (A Ilíada), uma vez que o fulcro é guerra. Curioso é observarmos que essa mesma estrutura permanece viva na épica moderna de Camões. Não é por acaso que em Os Lusíadas o homem Vasco da Gama e suas desventuras são decantadas.Na verdade, não há, na literatura dita ocidental, nenhum poema épico que não se apóie na estrutura d’A Eneida e segundo Curtius “Para todo o fim da Antigüidade, para a Idade Média, como para Dante, é Virgílio ‘o altíssimo poeta’”.

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