quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Escola dos Annales
NOTAS SOBRE O MOVIMENTO DOS ANNALES E A FORMULAÇÃO DE UM PROJETO DE HISTÓRIA DA CULTURAÉ possível definir a história cultural como sendo uma tendência historiográfica contemporânea que propõe uma nova forma de interrogar a realidade. Para isso lança mão de novos princípios de inteligibilidade, salientando o papel das representações na criação, manutenção e recriação do mundo social. No entanto, é impossível continuar falando desta tendência historiográfica sem fazer menção ao modo como ela se constituiu.[2]
A história cultural tem sua origem associada à escola do Annales que surge em 1929, com Marc Bloch e Lucien Febvre, como um movimento que se contrapunha ao paradigma da historiografia tradicional. Na fase inicial da escola dos Annales os interesses de estudo estavam voltados para a construção de uma história social e econômica em oposição a uma tradição historiográfica centrada nos grandes feitos dos grandes hom ens. A denominação escola dos Annales surge em função da publicação do Annales d´histoire économique et sociale, um periódico que traduzia o movimento de reorientação que queria se imprimir aos estudos historiográficos. A partir de 1940, a escola dos Annales, em sua segunda geração (Fernand Braudel, Robert Mandrou), caracterizou-se por uma produção historiográfica predominantemente demográfica. Em 1946 a revista Annales muda de nome com a intenção de tornar-se um periódico de ciências sociais - Annales. Economias, Sociedades, Civilizações. No final da década de 60 e início dos anos 70 há um declínio dos temas socioeconômicos, desinteresse por temas demográficos e aparecimento de temas outrora raríssimos ou desconhecidos (criança, família, morte, sexualidade, criminalidade, delinqüência...). É o período que se convencionou a denominar como a 3ª geração da escola dos Annales e que é marcado por um crescente interesse dos historiadores por temas pertencentes ao domínio da cultura e o questionamento do primado até então conferido, ao estudo das conjunturas econômicas ou demográficas. Embora o interesse pela produção da história da cultura tenha favorecido um papel central da dimensão cultural na constituição do mundo social, ela não foi capaz de romper com o modo de perceber as práticas e os objetos culturais como reflexo de divisões sócio-econômicas. Isto porque as primeiras iniciativas de se produzir a história da cultura mantinham uma forte ligação com alguns dos pressupostos metodológicos desenvolvidos no campo da história sócio-econômica. Esta fase inicial da história cultural é reconhecida como história das mentalidades. É no interior desta terceira geração que Chartier desenvolve as suas reflexões e críticas acerca da história das mentalidades e, a partir delas, propõe algumas mudanças no modo de abordar a cultura. Uma de suas primeiras recusas se dá em relação ao “primado quase tirânico do social” (Chartier,1990:45), que alimentou a produção de uma história social da cultura, preocupada em caracterizar culturalmente os grupos sociais (erudito x popular) ou caracterizar socialmente os produtos culturais (elite x povo). Com isso, Chartier recusa o pressuposto de que os contrastes e as diferenças culturais estejam forçosamente organizados em função de um recorte social previamente constituído. Com efeito, as modalidades de apropriação dos materiais culturais, são sem dúvida, tão ou mais distintos do que a inegável distribuição social desses próprios materiais. A constituição de um escala de diferenciações sócio-culturais exige, portanto, que paralelamente às sinalizações das freqüências de tais e tais objetos, em tais e tais meios, sejam encontradas, em seus desvios, as práticas de sua utilização e consumo. (Chartier, 1996:78) Ao reconhecer a fragilidade do esquema de interpretação utilizado pela história social da cultura para abordar os objetos e práticas culturais, Chartier sinaliza para a necessidade de se pensar em outros termos a relação entre recortes sociais e as práticas culturais. Para responder a essa necessidade propõe o deslocamento de uma história social da cultura para uma história cultural da sociedade Uma sociologia retrospectiva, que durante muito tempo fez da distribuição desigual dos objetos o critério primeiro da hierarquia cultural, deve ser substituída por uma outra abordagem, que centre a sua atenção nos empregos diferenciados, nos usos contrastantes dos mesmos bens, dos mesmos textos, das mesmas idéias. (Chartier, 1990:136) Nos limites deste texto cabe apontar de maneira abreviada algumas das idéias que considero relevantes na composição da abordagem proposta por Chartier. [3] Dentro de sua proposição, alguns pares de oposição (Criação x Consumo, Produção x Recepção), são problematizados de maneira a dar visibilidade às imbricações, às circularidades, aos intercâmbios e aos influxos recíprocos entre estes campos tradicionalmente apresentados como dicotômicos. É possível afirmar que esse modo de perceber os contrastes culturais elimina a noção de superioridade de uma determinada modalidade cultural sobre a outra. Isto porque o tensionamento das diferentes formas culturais revela que elas são constituídas de maneira imbricada, através de um jogo sutil de apropriações, de reempregos, de desvios a partir dos quais se agrupam, elementos de origens bastante diversas. Saber se pode chamar-se popular ao que é criado pelo povo ou àquilo que lhe é destinado é, pois, um falso problema. Importa antes de mais identificar a maneira como, nas práticas, nas representações ou nas produções, se cruzam e se imbricam diferentes formas culturais. (Chartier, 1990:56) Duas noções são centrais na proposição que Chartier faz para a produção de uma história cultural. A primeira delas é a noção de apropriação, tomada de empréstimo de M. de Certeau (1994), para definir o consumo cultural como uma operação de produção que embora não fabrique nenhum objeto, assinala a sua presença a partir da maneiras de utilizar os produtos que lhes são impostos. As práticas de apropriação (táticas) são o contraponto às operações (estratégias) que visam disciplinar e regular o consumo cultural. A segunda noção trabalhada por Chartier é a de representação. É uma noção que ele lança mão para designar o modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler por diferentes grupos sociais. (Chartier, 1990:16) A construção das identidades sociais seria o resultado de uma relação de força entre as representações impostas por aqueles que têm poder de classificar e de nomear e a definição, submetida ou resistente, que cada comunidade produz de si mesma. (Chartier, 2002:73) Em linhas gerais são esses os contornos mais gerais da história cultural que passam a orientar os estudos relativos à história da leitura. CONHECER A LEITURA A PARTIR DA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA CULTURAL O investimento na produção de uma história da cultura fez com que certos temas passassem a ser privilegiados por historiadores ligados à história cultural. Segundo Nunes e Carvalho,
o campo tradicionalmente relegado à história da educação vem sendo progressivamente ocupado e redefinido pelas investigações da nova história cultural. A ênfase no estudo dos processos de circulação e apropriação culturais vem fazendo com que esta privilegie, como constitutivo de seu próprio campo de investigação, estudos relacionados a questões educacionais, que vinham sendo de certa forma sendo relegados pela produção historiográfica anterior a uma situação de desprestígio intelectual e institucional. (1993:46)
Esta ocupação redesenha o território da história da educação na medida em que propõe novos temas e objetos de estudo e, ao mesmo tempo, apresenta novas perspectivas de análise para temas que já vinham sendo investigados. O crescente número de estudos sobre cultura escolar, história das instituições escolares, história das disciplinas expressam esse movimento de reconfiguração do território da história da educação. Além das práticas escolares, o horizonte de interesse da história cultural se estendem ao tema da leitura enquanto prática cultural. Dentre os autores da história cultural que tematizam a leitura podemos destacar os trabalhos de Chartier (1990, 1991, 1992, 1994, 1995, 1996), Darnton (1992, 1996) e Ginzburg (1995). Para os propósitos modestos deste texto, iremos privilegiar apenas as trilhas de investigação da leitura sugeridas por Chartier e Darnton. MERGULHANDO NA ROTA DE INVESTIGAÇÃO PROPOSTA POR ROGER CHARTIER
Chartier é um historiador que tem se destacado por sua produção teórica e metodológica a partir das quais vem problematizando os impasses e possibilidades de produção de uma história da cultura. Embora seja um historiador da cultura escrita, tem dedicado especial atenção ao estudo das práticas da leitura do passado (trabalhos sobre a leitura na França do Antigo Regime, por exemplo) e do presente (as reflexões que tem realizado sobre a relação entre leitura e o mundo digital). Suas buscas concentram-se no esforço de reconstituir, nas suas distâncias e proximidades, as diferentes maneiras de praticar a leitura, cujos modelos e modos variam de acordo com os tempos, os lugares e as comunidades. Percebe-se que este esforço parte de uma percepção da leitura como uma prática plural, o que lhe obriga de antemão a opor-se às classificações rígidas e simplistas que restringem a realidade da leitura a duas categorias: leitores e não-leitores ou alfabetizados e analfabetos. Nos seus estudos é possível identificar a pluralidade de práticas leitoras, uma prática cambiante e permeada de nuanças. No entanto, ele alerta que nem sempre esta dimensão plural da leitura é reconhecida.
Os grandes leitores (...), não há dúvida, têm dificuldade em aceitar que existem outras leituras além da sua, ou ainda em conceber que entre sua leitura de douto e as da maioria existem outras diferenças afora estas: ler muito ou pouco, rápido ou lentamente. (Chartier, 1996:19)
Orientado pela disposição de enfocar a leitura na sua diversidade e nas suas variações, Chartier (1991) localiza três modalidades de contraste que regulam as maneiras variantes de utilização, compreensão e apropriação dos textos e ajudam a compreender as leituras e os leitores em suas diferenças: contrastes entre as competências de leitura; contrastes entre normas de leitura - definem para cada comunidade de leitores, usos do livro, modos de ler, procedimentos de interpretação; e contrastes entre as expectativas e os interesses que os diferentes grupos de leitores investem nesta prática (ler para se informar, para se inspirar, por prazer/fruição).A partir dessas modalidades de contraste, Chartier cria as condições para inventariar algumas diferenças - antes apagadas pelas generalizações – existentes nos modos como os leitores realizam a operação de ler os textos. Mas a trilha de investigação proposta por Chartier pressupõe que a leitura seja abordada não apenas a partir das práticas de recepção dos textos, mas também, dos dispositivos que tentam normalizá-la, modelá-la, controlá-la. Tal projeto impõe a necessidade de reunir duas perspectivas, freqüentemente separadas: o estudo da maneira como os textos, e os impressos que lhes servem de suporte, organizam a leitura que deles deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leituras efetivas, captadas nas confissões individuais ou reconstruídas à escala das comunidades de leitores. (1990:123) A disputa entre estas duas perspectivas a partir das quais a leitura é compreendida resulta em uma polêmica que tem atravessado toda a história da leitura. De um lado, a perspectiva estruturalista que pensam os textos em si mesmos, desprendidos de toda a materialidade. De outro, a teoria da recepção que postula uma relação direta e imediata entre texto e leitor, percebendo a leitura como uma coleção indefinida de experiências irredutíveis umas às outras. De um lado, o “mundo do texto”; de outro, “o mundo do leitor”. A aproximação destas perspectivas tão distintas visa transformar esta tensão em uma condição potencializadora da história da leitura. É preciso ressaltar que esta aproximação não elimina o tensionamento existente entre essas duas perspectivas uma vez que ele é constitutivo do campo da leitura. A proposta de Chartier para abordar a leitura a partir de um tensionamento operatório entre o mundo do texto e o mundo do leitor poderia assim ser representado.
De um lado teríamos o pólo da produção que representaria o mundo dos textos e dos suportes que lhes dão sustentação. Neste pólo estariam localizadas as operações de escritura de textos (escritores) e de fabricação dos suportes que o colocarão em circulação (editores, impressores). Estas operações, orientadas por certas representações de leitura e do público leitor, criam uma série de dispositivos escriturários e editoriais, os quais Chartier nomeia como protocolos de leitura, que buscam refrear a liberdade do leitor tendo em vista a realização daquilo que ele imaginam ser a compreensão correta, a leitura autorizada. Talvez aqui pudéssemos localizar Foucault como sendo um dos interlocutores de Chartier para pensar esse pólo que se configura como um espaço produtor de controle, disciplinamento, estratégias de controle. O outro pólo, o da recepção, é o terreno onde reside o leitor e as operações de apropriação dos textos que lhes são propostos. Estas operações de apropriação são marcadas pelo uso de táticas que Certeau, outro interlocutor importante de Chartier na construção dessa abordagem da leitura, vai definir como uma série de atentados ao poder, no espaço de suas previsões, capazes de inventar o cotidiano e se contrapor às estratégias de ordenamento. No campo da leitura essas táticas se expressariam como uma
“... produção silenciosa: flutuação através da página, metamorfose do texto pelo olho que viaja, improvisação e expectação de significados induzidos de certas palavras, intersecções de espaços escritos, dança efêmera (...) incapaz de fazer estoque (salvo se escreve ou ´registra´), o leitor não se garante contra o gasto do tempo ( ele se esquece lendo e esquece o que já leu) (...) ele insinua astúcias do prazer e de uma reapropriação do texto do outro. (Certeau, 1996:49)
Talvez seja importante mais uma vez lembrar que esses pólos (o da produção e o da recepção) estão sendo percebidos por Chartier como estando em uma relação um com o outro. Não se trata de uma relação meramente de oposição é uma relação de tensão, de co-ocorrência e concorrência. Ao instalar a leitura nesse espaço de tensão, os processos de produção de sentido que conferem aos textos significados plurais, só podem ser compreendidos no cruzamento dos pólos de produção e recepção, portanto, nas diferentes relações que se estabelecem entre o texto, o suporte que lhe dá sustentação e a maneira como é lido. Portanto, os sentidos e as possibilidades de sua produção deixam de estar fixados em um único pólo. Eles seriam construções resultantes, ao mesmo tempo, do trabalho empreendido pelos escritores (nas suas estratégias escriturárias), pelos editores (no processo de fabricação do livro) e pelos leitores (nos modos como eles interagem com os textos que lhes chegam às mãos). Neste tensionamento, as estratégias que visam ordenar e disciplinar as maneiras de ler seriam sempre estratégias passiveis de perturbações, transgressões, subversões. Do mesmo modo, a liberdade dos leitores, suas táticas, sua liberdade seriam sempre operações vigiadas, controladas pelas estratégias de disciplinamento. Isso supõe investigar a leitura na tensão entre disciplina e invenção ou, dito de outra maneira, entre estratégias de ordenamento e táticas de apropriação dos textos dados a ler. Nessa perspectiva mais ampliada de perceber a leitura como uma prática plural e tensionada, Chartier vai eleger três eixos a partir dos quais um projeto de investigação da história da leitura pode se apoiar. São eles: o estudo crítico dos textos (literários ou não, canônicos ou esquecidos); a história dos livros e de todos os objetos que contêm a comunicação do escrito e servem de suporte para o texto; ea análise das práticas de leitura que, diversamente, se apropriam dos bens simbólicos, produzindo assim usos e significações diferenciados. Esses eixos supõem uma relação triangular com os textos e que podem ser representada no seguinte esquema
Em linhas gerais, estas são as anotações que buscam apresentar de maneira abreviada alguns dos pontos que considero centrais no modo como Chartier vem abordando a leitura no curso de suas investigações sobre a história da leitura. Primeiros passos para uma história da leitura; sugestões de R. Darnton para a investigação da história da leitura Robert Darnton é outro historiador ligado à história cultural e que tem desenvolvido reflexões e pesquisas sobre a história da leitura. [4] Aqui não será feita uma explanação acerca do seu modo de abordar a leitura que, guardada algumas proximidades, apresenta diferenças em relação ao modo proposto por Chartier. As anotações que serão apresentadas buscam apresentar algumas rotas que Darnton (1990, 1992) identifica como possibilidades para investigar a história da leitura. É possível recuperar a história da leitura? Como recuperar a história da leitura? Essas são as perguntas que orientam o balanço que ele faz sobre os limites e possibilidades de produção de pesquisas na área. Parte do pressuposto que a recuperação da história da leitura será sempre parcial, uma vez que existem limitações de acessar todos os seus vestígios. Reconhece as contribuições da história do livro na reconstituição de história externa da leitura (quem, onde, quando lia?). No entanto, outras perguntas continuam sendo difíceis de serem respondidas (como e por que lia?) Neste balanço que fala, Darnton identifica algumas tendências/rotas de pesquisa até então desenvolvidas. Procurar os leitores e o material de leitura nos arquivos / Buscar o registro dos leitores Tenta responder às questões quem lê e o que lê em diferentes épocas? Dentre os estudos ligados a esta primeira tendência/rota destacam-se as investigações de: Ginzburg (Menocchio), Darnton (Jean Ranson e os leitores de Rousseau), (Jean Hébrard – Jamerey-Duval). Os estudos ligados a esta tendência se subdividem em 2 grupos: * estudos microanalíticos - O moleiro de C. Ginzburg (1987) e o comerciante de La Rochelle, leitor de Rousseau esquadrinhado por R. Darnton (1996) são exemplos de estudos dessa natureza. As possibilidades de definição do perfil de leitores particulares podem ser concretizadas com a utilização de catálogo de bibliotecas (estudo das bibliotecas particulares); correspondências de leitores enviada aos autores, editores, livreiros; anotações de leitores em seus livros; processos religiosos e/ou policiais. * estudos macroanalíticos (ligados a uma história social quantitativa). Os estudos macroanalíticos usam séries de longa duração Como vimos, é uma tendência que Chartier se opõe. Entendiam que a quantificação dos dados culturais servia como a chave para entender cientificamente a circulação e a posição dos livros e a identidade das populações escolares. Esta produção faz uso de uma diversidade de fontes: depoimentos legais, registros de direito do livro, bibliografias (+ usados p/ estudos franceses), catálogos das feiras de livros (+ utilizados nos estudos alemães), documentos de empresas tipográficas e registros alfandegários (ingleses ), registros notariais, inventários, lista de assinantes, registros de empréstimos nos arquivos das bibliotecas (circulantes ou fixas). Apesar das limitações, tanto Darnton quanto Chartier reconhecem que estudos dessa natureza produzem algumas configurações estatísticas importantes. Permitem, por exemplo, observar a conjuntura da produção do livro, identificar diversos meios de leitores a partir do nº de livros que possuíam, observar as categorias bibliográficas dominantes em suas bibliotecas ou em um dado meio social, estabelecer porcentagens dos que em seus inventários tinham livros e os que não tinham. A diversidade disparidade de documentação é apontada por Darnton como um problema comum a estes dois tipos de estudos, uma vez que tem provocado divergências nas conclusões, fazendo com que as pesquisas anulem os resultados umas das outras. Buscar indício sobre os espaços de leitura Tenta responder à questão Onde se lia? Os estudos têm destacado alguns espaços de leitura, dentre eles: os clubes de leitura, os gabinetes literários, as cafeterias. Para localizá-los, os estudos fazem uso de fontes pouco usuais, como: a iconografia e os equipamentos (incluindo aí o mobiliário e as roupas). Buscar indícios sobre os modos e os motivos de leitura É uma tendência onde residem os maiores silêncios da história da leitura. Dizem respeito às perguntas mais difíceis de serem respondidas pela história da leitura. Como liam e por que liam? Relatos autobiográficos conhecidos (Santo Agostinho, Santa Tereza de Ávila, Montaigne, Rousseau e Stendhal). Estudar os relatos autobiográficos + conhecidos e seguir para fontes menos familiares (pode mostrar que as letras tinham um lugar na cultura do homem comum). É possível, também, estudar a disposição tipográfica dos textos tendo em vista que ela pode indicar o modo como o texto era lido pelo leitor. É uma modalidade de análise baseada na Bibliografia Analítica. Estudar os modos de aprendizagem da leitura/ de como a leitura era ensinada São estudos que podem fornecer informações importantes sobre os modelos de ensino da leitura, as técnicas pedagógicas utilizadas, os livros que serviram para o seu ensino. Estudar as representações da leitura - Como a leitura era pensada? Estudar descrições de época sobre a leitura no interior da ficção, das autobiografias, dos textos polêmicos , das cartas, dos quadros e gravuras podem fornecer pistas sobre o que era a leitura no interior de uma determinada comunidade. NOTAS DE FECHAMENTO As notas aqui inscritas nos dão uma visão panorâmica desta tendência historiográfica contemporânea que tem tomado a leitura como tema de pesquisa. A partir delas é possível identificar um modo mais alargado de perceber e estudar o fenômeno da leitura. Uma abordagem que cruza, transporta e desloca informações; que estabelece relações de contraste e tensionamento entre diferentes componentes da leitura; que estabelece diálogos, rompe fronteiras disciplinares em busca de outras possibilidades de inteligibilidade de seu tema; trilhar caminhos inusitados para recolher os vestígios de uma história que se sabe, de antemão, que é lacunar. Apresenta uma maneira de perceber e praticar a pesquisa que se contrapõe àquele que busca encontrar modelos, parâmetros; que pretende identificar relações de causa-efeito; que visa produzir hierarquias. Por ser assim, exige do pesquisador outras habilidades e competências que alimentem uma sensibilidade e uma abertura para o diferente, o plural, o inusitado, o não revelado, o silenciado.... Por ser assim, se apresenta como uma possibilidade de, ao lado de outras tendênias de pesquisa, adensar a nossa compreensão sobre a leitura na historicidade dos seus modos de ser produzida, difundida e recebida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÉS, Philippe. A história das mentalidades. IN: A história nova. LE GOFF, J. 3ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 1995. BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo. Ed. UNESP, 1992. CHARTIER, Anne-Marie e HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura: 1880-1980. São Paulo. Ática, 1995. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Difel, 1990. ______________ A ordem dos livros. Brasília. Ed. UNB, 1994. ______________(org). Práticas da leitura. São Paulo. Estação Liberdade, 1996. ______________ Textos, impressões, leituras. IN: A nova História Cultural. Hunt, Lynn. São Paulo. Martins Fontes, 1995. ______________ A visão do historiador modernista. IN:Usos & abusos da história oral. Ferreira, Marieta (org.). Rio de Janeiro. Fund. Getulio Vargas. 1996. ______________ O mundo como representação. In: Estudos Avançados. 11(5),1991. DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro. Graal, 1986. ______________ Boêmia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo. Companhia das letras, 1987. ______________ O beijo de Lamourette. Trad. de Denise Botmann. São Paulo. Companhia da Letras, 1990. ______________ História da leitura. In: A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo. UNESP, 1992. ______________ Edição e sedição. São Paulo. Companhia das Letras, 1992. ______________ A leitura rousseauista e um leitor “comum” do século XVIII. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo. Companhia das Letras, 1987. HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo. Martins Fontes. 1992. NUNES, Clarice, CARVALHOS, Marta M. C. de. Historiografia da educação e fontes. In: Cadernos Anped. Porto Alegre, n. 05, set. 1993. LE GOFF, Jacques. A história nova. 3ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1995. MAROTTA, Claúdia Otoni de Almeida. O que é História das mentalidades. São Paulo. Brasiliense. 1991.Coleção Primeiros Passos nº 253. -------------------------------------------------------------------------------NOTAS
[1] Disciplina oferecida no 1º semestre de 2003 no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, sob a responsabilidade das Professoras Drª Lilian Lopes Martin da Silva e Drª Norma Sandra de Almeida Ferreira. [2] O movimento de constituição da história cultural é abordado por vários autores, entre eles destacam-se os trabalhos de: ARIÉS (1995), BURKE (1992), CHARTIER (1990), HUNT (1992)e LE GOFF (1995)HUNT (1992) [3] Um quadro mais preciso dos contornos desta abordagem pode ser encontrado nos seus próprios escritos. Ver, por exemplo, A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Difel, 1990. Já existem trabalhos de autores nacionais que se dedicam a tarefa de refletir sobre as idéias desse autor, veja: CARVALHO (1993) e NUNES, CARVALHO (1993). [4] Ver especialmente DARNTON (1986), (1987), (1990), (1992 a) (1992 b) e (1996)
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Colaboração: Professor Renato Silva

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